Afeto

Hospitais do DF recorrem à humanização no tratamento de pacientes com covid

Por meio de videochamadas, músicas e do Cantinho da Superação, os internados encontram força extra para o combate ao novo coronavírus

Edis Henrique Peres
postado em 31/05/2021 06:00
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press                      )
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press )

Há mais de um ano, os profissionais de saúde do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), referência no atendimento a pacientes com covid-19, lutam contra a pandemia causada pelo novo coronavírus, garantindo a recuperação dos infectados pela doença. De 1º de maio de 2020 a 30 de abril de 2021, a unidade de cirurgia geral (UCG), no 4º andar do hospital, atendeu 1.637 pessoas infectadas, sendo que 1.269 (77,51%) receberam alta da UCG (veja Atendimentos).


Contudo, muito além de números, a equipe do Hran humanizou o tratamento desses pacientes ao perceber a necessidade de um espaço de acolhimento. Com um gesto simples, idealizado por Maria Aparecida Benta, 59 anos, supervisora de enfermagem da UCG do 4º andar, e Dulcenira Maria da Silva, 53 anos, enfermeira assistencialista da unidade, as duas profissionais criaram o “Cantinho da Superação da Covid-19”. “A covid-19 é uma doença que impede a presença de acompanhantes no hospital, e isso gera muito medo nos pacientes. Eles ficam muito debilitados e se sentem sozinhos. Então, pensamos em de alguma forma ajudar, porque trabalhamos com uma equipe reduzida e que está muito sobrecarregada, mas, ao mesmo tempo, precisamos pensar em como gostaríamos que fosse a recepção de um familiar nosso que estivesse internado, por exemplo”, relata Maria Aparecida.


“Nosso objetivo foi fazer algo que mostrasse aos pacientes que eles que são importantes para nós. Por isso, bolamos um painel, fizemos corações em branco e os colocamos em um recipiente. Ao lado, fizemos uma urna. Quando a pessoa sai do hospital, ela escreve no coração a data de nascimento e a data que recebeu alta, e coloca na urna de vencedores da covid-19. Eles ficam muito felizes, tiram foto, se emocionam. É um mo mento muito bonito”, complementa.


Dulcenira narra que apesar do espaço ser singelo, ganhou uma simbologia muito forte não apenas para os pacientes, mas também para os familiares. “É uma coisa simples, mas, por outro lado, faz a alegria de quem recebeu a alta. Já teve paciente que nos chamou para tirar uma foto dele, pois não estava com a família ou mora sozinho. É um espaço para o paciente se sentir acolhido, saber que venceu esse momento difícil e que ainda tem muita coisa para realizar”.


A estrutura física da UCG no 4° andar possui capacidade para 48 leitos, que estão distribuídos em seis enfermarias de quatro leitos e 12 enfermarias de dois leitos. No total, 46 leitos ficam disponíveis, além de um reservado para estabilização de paciente grave e outro desativado para a criação de leitos de emergência.


Uma das pacientes que ficou internada no 4° andar do Hran foi Célia Maria Rodrigues, 55 anos, moradora de Sobradinho 2 e comerciante. Célia ficou sete dias no hospital e conta que se surpreendeu com o tratamento da equipe médica. “Eu fui muito acolhida pelos profissionais. Primeiro, fui internada na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Sobradinho, depois que fui transferida para o Hran. Eu cheguei com falta de ar, passando muito mal. Pensei que não fosse dar conta. Os dias em que fiquei internada foi um momento de reflexão”.


Célia, contudo, lida com a dor da perda, pois o marido Edson Caixeta da Silva, 55 anos, ficou internado no hospital com ela, mas não resistiu às complicações causadas pelo novo coronavírus. “Tínhamos 35 anos de casados, e retomar o dia a dia está sendo difícil. Ele era muito parceiro, muito família, fazíamos tudo juntos, 24 horas por dia. Perder o amor da minha vida não está fácil”. Nos momentos mais dolorosos, Célia se agarra às memórias de alegria do casal. “Eu sou muito grata por tê-lo conhecido, por ter vivido ao lado dele. Até hoje recebo mensagens de amigos falando bem dele, elogiando. Ele me fez a mulher mais feliz do mundo”, se emociona.

Acolhimento

Não apenas o Hran, mas outras unidades do DF que atendem pacientes com covid-19 apostam no afeto para uma boa recuperação dos pacientes. Os hospitais de campanha sob a gestão da Associação Saúde em Movimento (ASM) são um exemplo. A assistente social da ASM, Suelânia Maria de Oliveira, explica que o foco é a humanização do atendimento. “A gente sabe que a parte psicológica do paciente fica muito abalada. Por isso, organizamos videochamadas com os familiares durante a internação. Se a família quiser enviar alguma carta, o profissional de saúde vai ler para o paciente. A pessoa pode enviar áudios ou qualquer mensagem que transmita força para os internados e estimule a importância dele voltar para casa. E, claro, quando eles recebem alta, sempre fazemos uma festa, com balões e plaquinhas de ‘eu venci a covid’”, explica.


Para a assistente social, as iniciativas, mesmo que simples, fazem a diferença na recuperação dos pacientes. “Até quando o paciente está totalmente sedado, temos esse cuidado. Já houve registro de pacientes intubados que, quando colocamos o áudio da família, ele reage minimamente e lágrimas escorrem. O trabalho de humanização requer muita dedicação da equipe, mas é gratificante. A família e o paciente percebem a diferença”, conta.


Elisângela Augusto de Melo, professora de 39 anos e moradora da Candangolândia, foi uma das pessoas a receber o cuidado da equipe da ASM. “Eu fui para o hospital porque comecei a sentir calafrios, febre e dor de garganta. Fiquei quatro dias internada no Hospital de Campanha de Ceilândia, e nesse tempo o corpo médico me deu muita atenção. A covid é uma doença que, além de afetar nosso corpo, afeta também nosso psicológico”.


A professora relata que tinha dificuldades para tomar banho e outras tarefas básicas no hospital. “Eu me senti acolhida, eles cuidavam muito da gente. Nunca vi pessoas desconhecidas nos tratarem como se fossemos da família, com tanto zelo”, destaca.

Atendimentos

Hran
(Entre 1º/5/2020 e 30/4/2021)
» Admissão: 1.637 pacientes
» Alta hospitalar: 1.269 (77,51%)
» Transferência de pacientes fora do período de transmissibilidade para outras unidades: 164 (10,01%)
» Transferência de pacientes agravados para o Box de emergência ou UTIs do GDF: 137 (8,36%)
» Óbitos ocorridos na UCG-4º andar:9 (0,54%)
» Evasão: 10 (0,61%)
» Alta a pedido do paciente: 1 (0,06%)
» Pacientes que seguem internados:
47 (2,87%)

Hospitais de campanha
» Da Polícia Militar: 1775 admissões e 602 altas (entre 1º de agosto de 2020 e 6 de maio de 2021)

» De Ceilândia: 573 admissões e 435 altas
(entre 5 de março e 6 de maio de 2021)

» De Santa Maria: 429 admissões e 127 altas (entre 10 de março e 6 de maio de 2021)

» Base-DF: 90 admissões e 76 altas
(entre 16 de março e 6 de maio de 2021)

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Mais do que um nome no prontuário

A psicóloga da unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital de Base Cibelle Antunes Fernandes atua desde 2010 na unidade hospitalar e desenvolve diversas ações para a humanização dos pacientes. Em 2017, Cibelle começou a desenvolver um prontuário que informasse mais do que o nome do paciente. “Nós usamos um fio de nylon que fica acima do leito, e lá colocamos a ficha do ‘Para me conhecer’. O foco é colocar coisas que o paciente gosta: o time favorito, músicas que ele escuta e suas comidas prediletas. Também colocamos fotos da família e do internado fazendo aquilo que gosta. Isso ajuda até mesmo os profissionais a verem o paciente em um contexto diferente, longe da maca de internação”, explica.


Sempre que há uma oportunidade, a equipe presenteia os internados com as músicas de que eles mais gostam. Cibelle relata que há pessoas que, mesmo estando desacordadas, se lembram das músicas colocadas pela equipe quando se recuperam. “Teve um paciente que, quando acordou, disse: aquele dia, a senhora colocou a música Rancho Fundo para mim, e eu percebi que tinha mais para continuar, para viver. São pequenos gestos de gentileza, mas que ficam na memória deles e geram esperança”, relata a psicóloga.


Cibelle avalia que ações humanizadas junto com a equipe profissional também facilitam o dia a dia do trabalho. “Temos um excesso de demandas, e com a pandemia vivemos um excesso de óbito. Cada paciente exige muitos cuidados. E o ‘Para me conhecer’ ajuda a família a mudar o foco, sair do contexto da doença e voltar para a perspectiva de saúde. Para ser pendurado no fio de nylon, eles trazem memórias, lembranças, desenhos feitos pelos filhos. Quando o paciente acorda, ele já dá de cara com a sua família em uma foto ou um desenho feito por seus filhos”, explica.

Emoção

As informações sobre os pacientes são obtidas pela equipe de psicologia da UTI, que telefona para os familiares das pessoas internadas para descobrir detalhes sobre gosto musical, data de nascimento, sonhos e projetos. Eglantine Dias, 63 anos, confessa que ficou emocionada quando a equipe a ligou para saber informações sobre sua irmã, Yasodhara Dias da Silva, 70 anos, que estava internada no hospital.
“Quando eles entraram em contato, eu nem sabia que existia essa UTI humanizada. Eles me perguntaram de onde ela tinha vindo, do que a Zarinha, como minha irmã é chamada, gostava. Não é uma UTI fria, eles tratam o paciente de forma diferenciada. Um dia, mesmo com ela intubada, eles fizeram uma videoconferência com a gente. E usamos esse momento para pedir para ela resistir, falamos que ela sempre se segurou em Nossa Senhora, se apegou em Jesus. Fizemos um clamor por ela. No outro dia ela já tinha tido uma evolução”, conta.
Atualmente, Zarinha passa pelos últimos estágios de recuperação da covid-19, com acompanhamento terapêutico devido ao tempo em que ficou internada na UTI. Mas quando ela estiver de alta, e a pandemia tiver passado, a família já planejou como comemorar com ela. “A gente vai comer camarão nas praias de Recife”, afirma Eglantine.

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