Com a pandemia, para manter a sanidade, muitas pessoas passaram a cultivar e a cuidar ainda mais das plantas. O contato com elas ensina, entretém e dá prazer. Elas são seres singulares, suscetíveis, sensíveis e caprichosos da mesma maneira que os humanos.
Se você coloca uma planta no sol quando gosta de sombra, ela logo emite um sinal de desagrado. De outra parte, quando aprecia o sol e é instalada no lugar adequado, ela viceja com toda felicidade. Cuidar das plantas é um aprendizado de vida completo, com as frustrações, os desafios, a fugacidade e as alegrias. Nos coloca em conexão direta com o mistério da vida.
As minhas plantas preferidas são a Onze Horas e a Caliandra. Considero a Onze Horas um pequeno milagre de delicadeza. Quando não está exposta à luz solar, ela se fecha com recato feminino, mas, com o sol a pino, esplende com um fulgor extraordinário, que transmite alegria. Quando estou meio desalentado com os desmandos da pandemia, vou até o quintal contemplar os dois vasos de Onze Horas.
E, nesta semana, tive uma surpresa. Plantamos uma caliandra rosa, que estava muito saudável, com sinais de brotos repontando. Mas, ontem, ao acordar, às 6 da matina, fui ao quintal e levei um susto de beleza com flores súbitas, pontiagudas, brilhantes, que pareciam estrelas penduradas nos galhos em plena luz do dia. Lembrei do poema de Rimbaud: “A estrela chorou rosa...”
Fomos até um viveiro e a vendedora era falante pelos cotovelos. Disse que um senhor havia se separado da mulher e passou a comprar muitas plantas. Adquiriu uma infinidade de mudas de flores. Em seguida, voltou com fotos de uma verdadeira alameda de azáleas em esplendor. Curou a desilusão amorosa com as flores.
Fiquei com a incumbência de regar três vasos de impatiens, integrante da família Balsaminaceae, mais conhecida pelo nome brejeiro de Maria sem vergonha. Ela gosta de lugares sombreados e úmidos. Pois bem, me esqueci de aguar a planta e quando cheguei na varanda deparei uma cena desoladora. As plantas dos três vasos estavam desfalecidas, com as flores desbotadas e a trama de galhos e folhas arriados.
Logo, tive uma crise de consciência dramática: “Matei as flores com a minha irresponsabilidade”. A planta do vaso do meio foi a que sofreu mais com aridez. Sem muita esperança que se reanimasse, peguei o regador e encharquei os três vasos. Para minha surpresa, meia hora dois, retornei e a Maria sem Vergonha havia renascido.
As hastes, as folhas e as flores se reavivaram; elas não estavam mortas, haviam apenas desmaiado com a falta de umidade. Bastou que eu colocasse água para que elas bebessem e recobrassem o viço. Elas dão flores de um colorido intenso, que alegram o ambiente.
O nosso poeta Vinicius de Moraes foi expulso do Itamaraty durante o regime militar e diplomado embaixador post mortem, pelo Itamaraty, com a redemocratização. Se ele fosse sagrado médico das flores, as chances de agradá-lo seriam maiores, pois em uma de suas crônicas o poeta manifestou, com todas as letras, o desejo de exercer tal profissão.
Ficaria muito feliz principalmente com os suspiros de devoção respeitosa das damas, quando passasse sério, enfiado em um jaleco branco, empunhando a maletinha, para auscultar o coração das rosas, das margaridas, das orquídeas, dos jasmins, das azaléas e das violetas. E, com certeza, traria o uisquinho na maleta para preservar a sua saúde, ameaçada por ofício tão estressante.
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