Crônica da Cidade

Mariana Niederauer
postado em 07/06/2021 01:01

A cada ano que passa...

A doença que nos assola faz a gente querer contar o tempo ao contrário. Pular aniversários, desacelerar os relógios, rasgar folhas inteiras do calendário, reorganizar os astros, descobrir as respostas para viagens entre dimensões. Quem nunca sonhou em ir dormir e acordar apenas no fim desse pesadelo, com a mesma idade, vigor e energia que tinha no início?

Viver o presente é ter escancarada diante de nós, todos os dias, a nossa impotência. Não só sobre esse vírus devastador, mas também sobre nós mesmos, nossos corpos, nossas mentes, sobre as ações e decisões de nossos pares, amigos, vizinhos e governantes. É o tapa na cara das utopias.

Se enganou quem pensava que estávamos caminhando para um mundo melhor e também os que acreditavam que as coisas não podiam piorar. Todos atravessamos a mesma tempestade, e a vida tratou de nos mostrar os privilégios de cada membro da tripulação, além de deixar claro quem tem acesso aos iates luxuosos e não quer deixar mais ninguém entrar. O salve-se quem puder diário ganhou manchete a cada esquina. As chances de escondê-lo debaixo do tapete são cada vez mais remotas.

Mas este não é um texto para te entristecer. Minha ideia inicial era contar como tem sido a sensação de passagem do tempo nesse turbilhão. E cada idade nos traz novas perspectivas quanto a isso, não é mesmo? Eu sempre soube que seria assim. Apenas, porém, diante do fato concreto é possível comentá-lo com alguma propriedade. Citando Vinicius, mais uma vez, a exemplo dos filhos: se não tê-los, como sabê-los?

Já passei por algumas fases nessa minha curta experiência de vida. Algumas delas apagadas da memória por ação própria do tempo ou em atenção a um estágio básico do desenvolvimento neurológico ou físico. A primeira certamente foi a de estar totalmente alheia ao que signifique idade, celebrar aniversário ou contar anos de vida.

Depois veio aquela tentativa de parecer mais velha, sabida e experiente do que minha nem uma década de vida denunciava. Logo após, a gente passa a torcer para que os anos transcorram rápido e a bendita adolescência acabe, para passarmos a ser vistos como adultos. Esforço inútil, obviamente, uma vez que, até hoje, é impossível acelerar as partículas do universo de maneira a viabilizar uma viagem no tempo.

Daí, a gente finalmente vence aquela onda de hormônios lancinante, ganha confiança, beleza, força e ilusão de sabedoria. Mesmo tendo a certeza de que temos muito ainda a aprender, cometemos os piores erros por achar que estamos sempre certos e que o mundo inteiro conspira contra nós (muita gente, diga-se de passagem, passa a vida toda nessa eterna ignorância adolescente).

Chega, então, o momento de começar a realizar muitas das coisas que a gente sonhou quando criança, adolescente e jovem adulto. E é aí que, provavelmente, muitos de nós aprendemos o verdadeiro sentido da frustração, passamos a esquecer a própria idade e a não aguardar com tanta ansiedade o próximo aniversário. Ou porque não conseguimos alcançar as metas de vida delineadas, ou porque, pelo contrário, conseguimos, mas elas não nos fazem sentir como se tivéssemos de fato alcançado o pódio da nossa existência.

Estou mais ou menos por aí, entre idas e vindas, sem poder reclamar, celebrando mais conquistas do que acumulando fracassos. E aguardando pelos ensinamentos das próximas fases.

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