Desencanto e surpresa
A pandemia é reveladora; provocou o desencanto e a surpresa. O desencanto maior é com a Câmara dos Deputados. A maioria das excelências daquela Casa vive na bolha do orçamento secreto ou do orçamento visível, mas igualmente vergonhoso. Enquanto o país se despedaça com a tragédia sanitária e agoniza sem vacinas, suas excelências desempenham um papel vexaminoso, tentam promover um projeto fura-fila para os empresários, se mobilizam para aprovar o voto impresso ou fecham os olhos para os movimentos antidemocráticos que pregam a intervenção militar e o fechamento do STF.
Venderam a consciência em troca de emendas parlamentares e traem o juramento de defender a democracia. Nunca o país precisou tanto da classe política e nunca ela foi tão pusilânime e tão irresponsável. Não é somente ao STF que cabe defender a democracia e o Estado de Direito.
Quando a maioria dos senhores deputados não se omitem adere às propostas mais estapafúrdias, em flagrante desserviço ao país. É o caso do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, autor da afirmação de que estava próxima a hora em que “decisões judiciais não seriam mais cumpridas”.
Encerrados na bolha do orçamento secreto e do orçamento visível, mas indecoroso, fecham os olhos para a devastação das nossas florestas, para a liberação absurda das armas para a população, para os movimentos antidemocráticos e para a política de saúde criminosa que matou quase meio milhão de brasileiros.
Foram escolhidos em eleições democráticas, mas traem a democracia. É preciso lembrá-los que sujeitar-se a regimes autoritários pode não ser um bom negócio. Juscelino, Adhemar de Barros e Carlos Lacerda apoiaram o golpe militar e, em seguida, tiveram os direitos políticos cassados. Viver em uma ditadura é viver sob o reino do arbítrio.
Até a ema do Palácio da Alvorada tem mais dignidade do que a maioria das excelências da Câmara dos Deputados, pois ao menos fugiu da cloroquina. Está faltando honradez a suas excelências.
A surpresa vem dos cientistas brasileiros. Sem a pandemia talvez não conheceríamos a doutora Natália Pasternak, o doutor Miguel Nicolelis, a doutora Margareth Dalcomo, o doutor Pedro Hallal. Eles têm demonstrado a coragem, a consciência coletiva, o espírito público e o compromisso com a vida do povo brasileiro que tem faltado à maioria das excelências da Câmara dos Deputados.
Segundo estimativa de Pedro Hallal, publicada na prestigiosa revista Lancet, se fossem adotados no Brasil protocolos de prevenção, assumidos em outros países, quando alcançasse o número de 500 mil mortos, 375 mil óbitos seriam evitáveis.
Mesmo pressionados e perseguidos, os cientistas não cederam um centímetro em suas convicções e defesa da vida dos cidadãos brasileiros. Na CPI da Covid, a doutora Natália desmontou de uma vez por todas a farsa da cloroquina. Que os senhores deputados mirem-se no exemplo de dignidade dos cientistas. Que os senhores deputados mirem-se no exemplo dos senadores que apuram a responsabilidade pelo fato de o Brasil ocupar o segundo lugar no número de mortes durante a pandemia.
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