Saudade de são-joão
O frio me fez sentir saudades das festas de são-joão. As noites brasilianas de junho e julho, cravejadas de estrelas, quase clamam por forró, fogueira, arraial, milho cozido, pipoca, baião de dois, paçoca e canjica. O corpo emite o sinal de que precisa de comida, de música e de conversas quentes.
Qualquer escola, igreja ou condomínio pode se mobilizar e organizar uma. Nos tempos em que morava na Asa Norte, saí muitas vezes com meus filhos sem destino, mas impulsionado pela certeza de que encontraríamos algum festejo nas superquadras. De repente, a gente ouvia o som da música, via a aglomeração de carros no estacionamento, sentia o cheiro de churrasquinho e avistava o sinal da fogueira.
A que considerei a mais democrática foi a promovida por um condomínio próximo à área onde moro. Os moradores se organizaram para oferecer tudo de graça para a comunidade. Qualquer pessoa que passasse podia entrar, ouvir música, comer e ainda levar uns salgadinhos, um bolo ou um doce para os que ficaram em casa.
Na década de 1980, curti festas magníficas no Cresça (animadas pelo Trio Siridó), no Clube de Imprensa (animadas pelo mesmo Trio Siridó) e na Casa do Ceará (com Luiz Gonzaga, Fagner ou Elba Ramalho).
Brasília perdeu muito o espírito público dos tempos utópicos. Mas ele ainda resiste nas festas de são-joão, que se multiplicam pelas superquadras, por igrejas, clubes, repartições e condomínios. A do CCBB era ótima. Brasília é a capital com mais festas de são-joão por metro quadrado, revela pesquisa desenvolvida pela Jleiva Cultura & Esporte, divulgada em 2017. Eu já sabia, ou melhor, desconfiava, mas a pesquisa conferiu legitimidade científica às minhas impressões.
Talvez, pelo fato de morarmos em uma cidade artificial, tenhamos a necessidade de, em algum momento, cultivarmos ancestralidades, abandonarmos o mundo virtual, botar os pés no chão e voltar para a conversa olho no olho ao lado da fogueira, para o forrozinho pé de serra e para a celebração das coisas simples da vida. E como isso faz falta neste momento.
Não me comovem as megafestas. Prefiro as festinhas despretensiosas, em que qualquer um pode entrar e, de preferência, comer o que quiser, sem pagar nada. Estão mais em sintonia com o espírito de gratidão, de celebração e de comunhão que animava as festanças primitivas de agradecimento aos deuses pelas colheitas fecundas.
A cidade tem uma força gravitacional que impele a olhar para o céu. Quando miro o firmamento, em junho ou julho, nunca escuto um funk ou uma música breganeja. Só ouço a voz de Luiz Gonzaga ou de Jackson do Pandeiro como trilha sonora.
Espero que, no próximo ano, todos nós estejamos vacinados e que a gente volte a celebrar as festas de são-joão. Eu me identifico com os lobos-guará. E, nestes tempos de isolamento social, na solitude das noites brasilianas, confesso que, algumas vezes, também sinto um vago desejo de uivar para a Lua.
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