A omissão das redes
De irresponsabilidade em irresponsabilidade, de omissão em omissão, chegamos à marca trágica de meio milhão de brasileiros mortos. Como se não bastasse a magnitude da tragédia humana, a política criminosa na gestão da pandemia continua em vigor e impune. Enquanto um Zé Gotinha envergonhado alerta para a necessidade de tomar vacina, Jim Jones estimula todos a se exporem ao vírus de alta letalidade, sob o álibi da imunidade de rebanho, que matou milhares de brasileiros.
Diante desse cenário, o silêncio da Câmara dos Deputados, da Procuradoria-Geral da República e de parte do Judiciário e de parte do Ministério Público é ensurdecedor. Parece que eles esperam que o Brasil chegue a 1 milhão de mortos para começar a se mexer. Por isso, é preciso saudar a iniciativa do senador Randolfe Rodrigues no sentido de convocar representantes do Facebook e do Google para depor na CPI da Covid.
Sem o exército de robôs e sem a falange de disparadores de fake news, não seria possível disseminar tantas informações perigosas para a saúde pública. A burrice que impera não é apenas uma força da natureza; ela é inseminada artificialmente. Não quero atulhar o leitor com números, mas alguns são inevitáveis. Segundo pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), uma notícia falsa tem 70% mais de chance de ser compartilhada do que uma verdadeira. É algo estarrecedor.
E outra sondagem do instituto inglês Ipsos Mori, realizada em 2018, em 27 países, aponta que o Brasil é a nação que mais acredita em fake news. A média mundial é de 48%. Quando perguntados sobre a causa, 49% responsabilizaram os políticos.
Se eu escrevo uma coluna no jornal, não posso falar como se estivesse em um boteco, por mais indignado que esteja com um personagem da política ou com uma situação cotidiana. Além da minha consciência, existem leis que regulam a opinião no espaço público. Sou responsável por minhas palavras.
Enquanto isso, nas redes sociais, os delitos permanecem impunes. Os indivíduos e as corporações precisam ser responsabilizados pelas mensagens que veiculam, da mesma maneira que os jornalistas e as empresas de comunicação das mídias tradicionais. Eles já provocaram muitos estragos na democracia e na pandemia.
Os representantes das redes sociais são responsáveis pela tragédia brasileira da pandemia por omissão. Trump estimulou a invasão do Capitólio nos Estados Unidos, e morreram seis pessoas. Por causa disso, ele foi banido das redes sociais. No Brasil, os negacionistas da pandemia induziram a morte de milhares de pessoas com informações falsas e continuam impunes e impávidos nas redes sociais.
Sem botar a lei na selva selvagem das redes sociais, estamos fadados a uma guerra desigual entre o estilingue e o canhão. Estamos condenados a correr sempre atrás para provar que a vacina não faz ninguém se transformar em jacaré, que a imunidade de rebanho não salva ninguém, que o voto eletrônico não é fraudulento, que as instituições democráticas não impedem os incompetentes de governar, que a covid-19 não é uma gripezinha e que ameaçar de morte uma autoridade ou fazer apologia da ditadura não é liberdade de expressão.
São crimes sem castigo que, algumas vezes, provocam doenças e até a morte de pessoas. A regulação das mídias sociais é um tema urgente para a agenda política. É um debate que transcende esquerda ou direita. As redes sociais são cúmplices por omissão na política criminosa que está matando milhares de brasileiros. Não é possível constituir uma república fundada na mentira, na fraude e nas fake news. Como dizia o poeta TT Catalão, fraude explica.
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