A busca por Lázaro Barbosa chegou à segunda semana, ontem, com informações de que o fugitivo utilizou um celular roubado para criar um perfil falso em rede social. Segundo atualizações da investigação apuradas pelo Correio, Lázaro criou uma conta no Instagram com nome e foto genéricos e passou a utilizar a rede pelo aparelho, possivelmente para acompanhar notícias sobre a própria busca. O smartphone havia sido roubado em 15 de junho, quando ele invadiu uma chácara em Edilândia (GO) e manteve três pessoas da mesma família como reféns. O setor de inteligência da polícia passou a monitorar dados de utilização do telefone, e verificou a conta fake.
Policiais penais do DF estiveram na residência dias antes do fato e deixaram os números de telefone com a família por motivos de segurança. Às 13h44 do dia 15, a adolescente e filha do casal mandou uma mensagem a um policial. “Socorro, o assassino Lázaro está aqui em casa”. O policial respondeu: “Qual a localizaação???”. Minutos depois, o policial manda outra mensagem, mas a adolescente não recebe. A equipe buscou o endereço, chegou à chácara e resgatou a família, que estava à beira de um córrego. Lázaro atirou contra um policial militar de Goiás e conseguiu fugir por dentro da mata. O celular, no entanto, foi roubado e, desde então, estava sendo monitorado pela polícia.
A inteligência das forças de segurança apura que Lázaro pode ter criado a conta para acompanhar as atualizações do caso, como locais de ações policiais. No Instagram, ele se identificava como Patrick Sousa, com três “emojis” na biografia: figuras de arma, bomba e faca. Também chamou a atenção o fato de que o suspeito usava a foto de um helicóptero com policiais, seguido da seguinte frase: “As buscas não param. Breve estará nas mãos da polícia. Não volta em viatura, volta com o IML”. Na conta, Lázaro segue 21 pessoas e tem 199 seguidores.
O suspeito de assassinar uma família em Ceilândia Norte, balear quatro pessoas — entre elas um policial — e manter reféns está foragido há 19 dias. As últimas atualizações do caso são do uso do celular roubado, um reforço tecnológico do Rio de Janeiro e possíveis aparições de Lázaro em regiões próximas ao distrito de Girassol (GO).
A Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMRJ) cedeu duas Estações Rádio Base (ERBs) e operadores dos equipamentos para auxiliar na caçada a Lázaro. Uma pick-up equipada com uma torre de 15 metros de altura permite a comunicação via rádio pelas equipes, mesmo onde não há repetidores. Esse item foi utilizado em grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas do Rio, em 2016.
Segundo a Secretaria de Segurança de Goiás, o perímetro de atuação da força-tarefa continua o mesmo. “As estratégias para reforçar o cerco são definidas à medida que as pistas de movimentação do fugitivo mostram que adaptações são necessárias. Essas estratégias não são divulgadas para preservar a operação. As linhas e os detalhes das investigações não estão sendo divulgados para que não atrapalhe a operação”, divulgou a pasta, em nota.
Possível aparição
O Correio percorreu as regiões de Girassol e Edilândia neste sábado e ouviu a dona de uma padaria relatar ter visto o criminoso no estabelecimento, às 20h30 de sexta-feira. A atendente do local, que não quis se identificar, afirmou que a mãe dela e uma amiga reconheceram o fugitivo. Ele teria chegado no estabelecimento e perguntado o preço de alguns salgadinhos que estavam em uma prateleira, mas saiu sem levar nada. “Ele estava de cabeça baixa. Segurava todos os salgadinhos na mão, perguntando o preço baixinho. Quando percebeu que minha amiga o reconheceu, largou os pacotes e saiu correndo”, diz. Conforme o relato, Lázaro vestia blusa verde escura, calça jeans clara e sapato social, além de carregar uma mochila, celular e estava mancando.
A atendente conta que, minutos depois, dois policiais à paisana chegaram na padaria e saíram em busca do fugitivo. Os funcionários disseram reconhecer uma cicatriz no rosto de Lázaro. Além disso, dizem conhecê-lo de muito tempo e ter certeza de que se tratava do criminoso. “Ele jogava bola com o meu pai. O pai dele tocava violão aqui na rua”, comenta.
Tensão e solidariedade
Edgar Fonseca, 50 anos, é fazendeiro e tem uma chácara em Edilândia. Ele relatou ao Correio um clima de tensão e insegurança na região. “Antes, eu vinha para cá, ficava uns quatro, cinco dias com a família e voltava para Anápolis (GO). Mas agora não dá para ficar mais. Nem os caseiros querem. Estou indo embora com minha família para Anápolis, meus vizinhos também estão indo”, conta.
Em meio ao abandono de chácaras, um morador de Vicente Pires resolveu ir até Girassol fazer doações de rações para animais da zona rural. Gleison Willy, 44, tem um projeto chamado Ração Social, que já distribuía alimento em regiões como o Incra, onde percebia abandono de cachorros, cavalos e outros bichos. “Resolvi trazer ração para o BPcães e distribuir na sexta e no sábado. A gente ouve sobre a situação de abandono que os animais começaram a enfrentar, com os donos de chácaras saindo por conta da violência. Também há muitos moradores com medo de sair de casa, então quis trazer essa ajuda”, explica.
Colaborou Ana Isabel Mansur
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.
Artigo
Lázaro e a percepção coletiva
A situação de busca por Lázaro, devido a todos os crimes que cometeu, mexe com o medo das pessoas, mesmo daquelas que não moram perto de onde ele está foragido. Esse caso poderia se passar em qualquer lugar, tendo em vista a peculiaridade do Brasil: um país com muitas áreas de mata próximas às cidades. É fácil se identificar com esse contexto. O caso mostra, também, a fragilidade do ser humano. Temos a falsa ideia de segurança, o que implica muito no sentimento das pessoas, que questionam como tantos profissionais treinados, de diversas forças de segurança federais e de dois entes da Federação, não conseguem pegar um homem.
A noção de segurança abalada pode gerar todo tipo de resposta nas pessoas. Algumas, inclusive, violentas, como forma de defesa. É difícil prever o que exatamente poderia ser feito por esses cidadãos. Não há uma forma ideal de buscar proteção. E, de maneira geral, trata-se de um caso que desperta o interesse coletivo.
O termo “serial killer” (assassino em série) não é o mais adequado para definir Lázaro, pois as histórias por trás dos crimes que ele cometeu até agora são diferentes entre si. Ele se assemelha a um psicopata do modelo padrão: uma pessoa com transtorno de personalidade. Em alguns casos de psicopatia, infelizmente, a única solução é retirar completamente a pessoa do convívio em sociedade, porque, se for presa, continuará a cometer crimes depois da eventual soltura. Na medicina, é complicado atestar isso com certeza, mas, considerados os casos clássicos, não é possível ensinar ou reeducar psicopatas.
O transtorno de personalidade faz parte da pessoa. É um traço do genótipo do indivíduo. É extremamente difícil alterar a personalidade de alguém, porque a origem está na genética, e essas características de distúrbio serão carregadas pela pessoa até o fim da vida. Alguém com transtorno de personalidade pode ter traços mais afetivos — o que não quer dizer que, obrigatoriamente, apresentará tais características. Muitos aparentam levar uma vida normal, sem exclusão de traços afetivos. E isso é possível se as pessoas por quem esses indivíduos sentem afeto não estiverem no caminho deles. Caso contrário, esse sentimento é deixado de lado.
Quanto mais dimensão é dada ao caso, tanto pelas forças de segurança quanto pela imprensa, mais a sociedade se sente indefesa. Faz parte do raciocínio básico questionar a capacidade e efetividade da proteção policial à população, dada a demora em capturar uma pessoa. Caso saiba da repercussão nacional que tem tido, Lázaro pode se alimentar dessa projeção. Ele é um sujeito que dificilmente se entregaria à polícia, porque não tem medo. Esse é um traço do transtorno de personalidade: a pessoa determina um objetivo e vai até o fim para cumpri-lo.
Se Lázaro realmente teve ajuda de outras pessoas, é quase improvável que tenha sido de outros com o mesmo transtorno. É raro dois psicopatas agirem em conjunto, porque cada um se comporta de acordo com as próprias regras. É muito incomum que as normas de um se encaixem nas do outro. Pessoas assim podem ser parecidas, mas são muito diferentes umas das outras e têm diferentes planos traçados. Esses supostos comparsas devem ter algum outro interesse em ajudá-lo — e isso deve ser respondido pelas investigações do caso.
Raphael Boechat Barros, professor de psiquiatria da Universidade de Brasília (UnB)