Crônica da Cidade

Um novo dicionário

Mariana Niederauer
postado em 28/06/2021 00:30


A poesia não alivia mais o peso do cotidiano. As palavras de consolo deixaram de aplacar o choro. As canções pararam de espantar os males. As curvas da estrada há tempos já não são suficientes para fazer esquecer a mágoa. Nem a possibilidade de um novo amor reanima os corações amargurados.

Andar pela cidade costumava deixar a vida mais leve. Lembro-me bem que quando o meio do ano se aproximava era tempo de contemplar os ipês deitando flores pelas ruas. Aproveitava para colecionar outras cenas na memória, de mais árvores e plantas, como a barriguda e o flamboyant, de tanta gente pedalando e caminhando pelo Parque da Cidade, dos sorrisos. Ah, os sorrisos.

Aos poucos, nos acostumamos com uma vida mais distante um dos outros, para cuidar ou deixar-se cuidar. Mesmo assim, manter a mente e o corpo sãos, um mantra repetido por tantos para alcançar a longevidade e, quem sabe, com um pouco de sorte, a felicidade, tornou-se uma das tarefas mais desafiadoras.

É fácil entender o motivo de tantos terem chegado ao limite, à estafa. Quando o corpo parece não ter forças para mover músculos e articulações. Os movimentos mais simples tornam-se tarefas complicadas e o cérebro teima em cessar de responder aos comandos cotidianos.

Nesse momento tão delicado, encarar a missão mais árdua e enobrecedora de uma vida, a de formar outro ser humano, é ainda mais assustadora. Fico pensando em como explicar cada sentimento. Talvez vivê-los com tamanha intensidade, devido às circunstâncias, ajude.

As perguntas, ainda despretensiosas e repletas de curiosidades banais, seguem simples de responder. Qual é essa cor, a diferença entre um caminhão e um ônibus, quantos dedos há na minha mão, como cantar a minha música preferida. Mas realizei que logo as questões ficarão mais complexas, para em seguida sairem totalmente da minha habilidade e possibilidade de esclarecê-las.

Acho que será um pouco como viver no livro Mania de Explicação, de Adriana Falcão com as ilustrações de Mariana Massarani. Já comecei a arquitetar algumas respostas, as que tomam conta do peito com mais frequência nos últimos tempos. Espero que a memória não falhe no momento de usá-las.

Saudade. É aquilo que a gente sente quando está longe de alguém, mas quer muito estar perto.

Tristeza. É um nó na garganta que a gente quase nunca consegue explicar.

Frustração. É saber que quem sabe a resposta certa prefere errar para roubar a felicidade do outro.

Felicidade. É aquilo que faz os lábios sorrirem e a gente soltar gargalhadas sem conseguir controlar.

Amor. É guardar o melhor pedaço de bolo pra quem a gente gosta e se sentir feliz por isso.

 

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