A morte de Lázaro Barbosa de Sousa, 32 anos, a megaoperação de buscas pelo fugitivo e a atuação das forças de segurança são assuntos que continuam a repercutir. Na avaliação de Arthur Trindade, ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, professor de sociologia da Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o trabalho das equipes policiais enfrentou dificuldades não só pelas características geográficas da região, como também pela espetacularização em torno do caso.
Ontem, em entrevista ao CB.Poder — parceria do Correio com a TV Brasília —, o professor avaliou que o comando da força-tarefa deveria ter prezado pelo sigilo da investigação. “Não é culpa da mídia ter atrapalhado, mas as autoridades de segurança pública deveriam ter protegido mais os policiais da operação”, afirmou ao jornalista Alexandre de Paula. Além disso, Arthur Trindade opinou que, dificilmente, Lázaro sairia da operação com vida. No entanto, criticou a postura de quem comemorou a morte do procurado: “Não é de bom tom comemorar a morte de ninguém”, frisou o especialista.
Que avaliação o senhor faz dessa operação?
O caso é muito difícil. O Lázaro, sem dúvida, precisava ser preso e capturado o mais rápido possível, pelo risco que a liberdade dele significava para os moradores daquele local. Havia um risco iminente de mais mortes, mais assassinatos. De fato, ele deveria ter sido preso, e todos os esforços deveriam ser feitos para prendê-lo, como aconteceu. Mas não há dúvida de que, a despeito das condições difíceis da operação, como o terreno e o fato de ele conhecer esse terreno, a excessiva midiatização atrapalhou. Os policiais acabaram muito pressionados, a cobertura foi muito intensa. Talvez, tivesse sido prudente, no início da operação, tentar manter um grau de sigilo e de reserva necessários para as atividades de investigação. E proteger as polícias dessa excessiva exposição. Não é culpa da mídia ter atrapalhado, mas as autoridades de segurança pública deveriam ter protegido mais os policiais da operação.
As pessoas questionavam como 300 policiais não conseguiam pegar uma pessoa. Como isso pode ter interferido na operação?
Isso colocou um grau absurdo de pressão em cima dos policiais e dos comandantes da operação. Em determinado momento, virou quase uma competição. Nada disso contribui para a execução do trabalho de maneira racional, técnica e com todas as expertises de que os policiais dispõem. Isso atrapalhou muito.
Depois do desfecho, é possível haver autocrítica sobre o que falta de preparo para um momento como esse?
Primeiro, (há) uma questão de relação com a mídia. Tudo isso aconteceu porque, no início, as autoridades responsáveis chamaram a mídia e fizeram questão de aparecer e publicizar o caso. Depois, saiu de controle. As mesmas autoridades reclamaram da cobertura e da pressão. A atividade de investigação não é compatível com a espetacularização dos casos. A segunda questão é que, certamente, houve um aprendizado organizacional no uso de novas tecnologias. Drones, equipamentos de imagens através dos helicópteros, entre outros.
O que mais dificultou o processo?
O terreno e a espetacularização. Porque, se a investigação tivesse ocorrido de maneira mais reservada e, por exemplo, ele (Lázaro) não tivesse conhecimento de que era caçado, provavelmente os investigadores teriam descoberto pistas e evidências mais rapidamente.
O senhor acha que existia alguma forma de driblar a morte dele ou esse cenário já se desenhava?
Achava difícil ele ser capturado vivo. Primeiro, pelas características dele, mas, também, pela pressão. Provavelmente, aconteceria um confronto de vários policiais contra ele. E foi o que ocorreu. Era muito difícil que o desfecho fosse diferente.
Qual sua opinião sobre as reações, a começar pela do presidente da República, que publicou nas redes sociais a mensagem: “Lázaro: CPF cancelado”. O que o senhor acha de um presidente fazer um comentário desses?
Não cabe à figura de um presidente comemorar isso. Muita gente também comemorou nas mídias sociais. É lamentável. Não é de bom tom comemorar a morte de ninguém. Não cabe a uma autoridade. Uma coisa importante do exercício do poder é a mensagem que ela (a pessoa na função) passa. O que também não quer dizer que o presidente ou o governador não possam comemorar o trabalho da polícia e se sentir aliviado, porque a população estava em risco.
Existia alguma forma de blindar essa operação e fazer com que ela fosse discreta?
No início, havia alguma chance. Blindar não no sentido de torná-la secreta, mas de tentar filtrar mais a comunicação e não tornar aquilo um espetáculo. Depois que o caso teve início e as autoridades começaram a explorar muito a visibilidade, é praticamente impossível botar o gênio de volta na lâmpada. Depois que a cobertura começou, não tem como voltar atrás.
Esse grande número de policiais era necessário ou isso fez parte dessa espetacularização?
Eu não diria que o número alto de policiais fazia parte da espetacularização. Eu diria que foi uma consequência. Iniciou-se o caso de um fato atípico, a cobertura e a pressão foram crescendo e, para responder a isso, as autoridades aumentaram os efetivos. Foi uma consequência que a pressão gerou.
Outra questão foram as fake news. O próprio comando da força-tarefa disse que isso atrapalhou muito. Como seria possível lidar com as notícias falsas?
Faz parte da exposição enorme do caso. Por isso, digo que a exposição excessiva não ajudou em nada. Tem a pressão, as fake news e uma série de outros temas que desviam a atenção das autoridades.
Outra coisa que aconteceu foi a busca de um rótulo para Lázaro. O que dá para dizer sobre isso, por enquanto?
Certamente faz parte do pacote do espetáculo. Não dá para dizer agora o que ele é, mas serial killer, certamente, não. O traço de psicopatia só pode ser definido depois de fazerem testes e exames.
E existe a hipótese de que ele tinha uma rede de apoio. Isso atrapalha a tentativa de criar um rótulo?
Sim. Ao que tudo indica, ele recebeu apoio e ajuda durante esse período em que fugia. O que resta saber é o tamanho dessa rede de apoio e a complexidade dela. Era uma rede esporádica? Era um grupo? Só as investigações vão dizer. Agora, estamos na etapa dois do caso, e espero que as polícias possam trabalhar com mais tranquilidade.
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Moradores retomam a rotina aos poucos
Durante os 20 dias em que Lázaro Barbosa, 32 anos, ficou foragido, muitos fazendeiros e funcionários deixaram as propriedades em Girassol e Edilândia — distritos de Cocalzinho (GO) — com medo de que o assassino da família Vidal pudesse invadir as chácaras e praticar mais crimes. Na operação, o fazendeiro Elmi Caetano, 74, foi preso por suspeita de ajudar Lázaro na fuga. A polícia apura se outras pessoas prestaram auxílio ao criminoso. Ainda assim, o fim das buscas amenizou o medo da população. Os chacareiros começaram a retornar às propriedades. Um deles, que prefere não se identificar, conta que chegou a dar apoio aos policiais durante a megaoperação de busca e ficou três dias dormindo em Águas Lindas de Goiás.
“A gente passou muito sufoco aqui, mas a polícia ajudou muito. Cheguei a fazer comida para 10 agentes”, lembra o chacareiro. Agora, ele diz que se sente aliviado. “É paz de novo. Antes, estava um terror isso daqui. Agora, nossa vida começou de novo”, celebra. Mesmo com o fim da caçada, o homem instalou grades nas janelas e pretende manter o reforço na segurança. “Foi R$ 2,2 mil para fazer”, revela. Contudo, a preocupação atual é saber se Lázaro recebia ajuda de outros fazendeiros, como Elmi. “Se tinha comparsas, gangue, a gente tem muito medo”, frisou.
Os dias de caçada pelo foragido deixaram marcas na região. Os moradores de Girassol, inclusive, mudaram a maneira de se cumprimentarem: “E aí, tudo tranquilo depois do Lázaro?”. Mesmo os residentes da área urbana do município sofriam com o medo. O aposentado João Rodrigues, 83, diz que sequer saía de casa depois de anoitecer enquanto Lázaro era procurado.
“Para você dormir, tinha que fechar portão, passar cadeado, tinha medo, porque ele chegava e invadia. Os helicópteros ficavam passando de noite, a gente até caçoava: ‘nossa cidade está muito animada’”, brinca, com tranquilidade. Ontem, ele dormiu bem pela primeira vez em mais de duas semanas. “Foi um sossego tão bom, um alívio, muita paz. Antes, toda pessoa diferente que via na rua, ficava sobressaltado, achando que era Lázaro. Ficava preocupado com minha família”, narra.
A rotina dos comerciantes pouco a pouco volta ao normal. Enquanto a caçada estava em curso, muitos fechavam as portas mais cedo, com medo de serem abordados pelo fugitivo. Carla Souza, 38, é dona de uma distribuidora de bebidas em Girassol. Atrás da loja, fica a casa dela. O comércio funcionava até as 22h. Com a megaoperação, ela encerrava o expediente às 18h.
“A gente teve prejuízo. Teve semana que, de segunda a quinta-feira, entrou só um cliente na loja. A gente teve que diminuir os pedidos dos fornecedores de R$ 3 mil para R$ 600, não estava vendendo, diminuiu bastante mesmo”, calcula a empresária. “Nosso horário reduziu bastante por conta da situação, até porque as pessoas não estavam saindo muito de casa”, afirma. O receio de Carla era de que, se ele entrasse, o criminoso teria acesso à casa nos fundos, onde estavam os dois filhos dela, de 11 e 8 anos.
“Cada movimento que a polícia fazia, a gente já achava que algo estava acontecendo e que era melhor ficar dentro de casa fechadinho do que correr o risco”. A comerciante passou a manter a grade do estabelecimento trancada mesmo no horário de funcionamento. “Aqui, a gente nunca teve costume de ficar com a porta trancada. Mas, agora, é só no cadeado. Para entrar, primeiro tem que esperar a pessoa chamar um pouco mais para reconhecer a voz”, explica.
O medo ainda não acabou. “Me senti um pouco aliviada, não pela morte, mas por ter acabado mesmo, a gente poder ir e vir sem correr o risco de cruzar com ele. Mas ainda tenho um pouco de receio, a gente ouve o secretário (Rodney Miranda) falando que tem uma quadrilha por trás disso aí. E se ainda existir alguém?”, questiona. A expectativa da comerciante é de que, no fim de semana, a movimentação volte ao normal.