JUSTIÇA

"Não gosto nem de lembrar", diz jovem agredido por PMs; Justiça condena o GDF

TJDFT condena o GDF a indenizar em R$ 30 mil o ambulante Wellington Luiz Maganha, vítima de abordagem violenta de policiais militares. Um ano após o caso, vítima ainda carrega marcas. "Foi triste, né? Um absurdo. Não gosto nem de lembrar"

Ana Maria da Silva
postado em 14/07/2021 06:00
Wellington sofreu lesões na clavícula e no crânio durante a agressão -  (crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press - 3/6/20 )
Wellington sofreu lesões na clavícula e no crânio durante a agressão - (crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press - 3/6/20 )

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) condenou o Governo do DF a indenizar em R$ 30 mil, por danos morais, o ambulante Wellington Luiz Maganha, 31 anos, que foi alvo de uma abordagem violenta da Polícia Militar, em junho de 2020. À época, policiais militares o agrediram com chutes e golpes de cassetete, perto de um supermercado, em Planaltina. A decisão cabe recurso.

Ao Correio, Wellington disse que, após um ano, ainda não consegue falar sobre o ocorrido. “Não gosto nem de lembrar”, pontuou. “Foi triste, né? Um absurdo. A polícia precisa mudar a forma como trabalha, como eles veem as pessoas”, lamentou. De acordo com Wellington, a situação trouxe consequências para a sua vida pessoal. “Eu quebrei minha confiança. Até hoje ando meio desconfiado, com medo de acontecer novamente, sempre com receio. Mas tem que seguir em frente né?”.

A decisão é da juíza Sandra Cristina Candeira de Lira, da 6ª Vara da Fazenda Pública do DF. A magistrada citou o Código Civil para argumentar que “o Estado é responsável pelos atos cometidos por seus agentes (policiais militares) contra terceiros, surgindo o dever de indenizar os familiares da vítima pelo ocorrido. O valor fixado na sentença mostra-se proporcional e razoável para reparar o dano causado”, escreveu a juíza.

Para a defesa, o valor da indenização é baixo, mas já representa uma vitória. “Reconheço que é um grande avanço, porque antes, casos desse tipo passavam despercebidos. Com a conscientização da população, eles já chegam ao Judiciário”, pontua o advogado Anderson Campos. Ele menciona que ainda não houve manifestação do Estado. “Eles já foram citados na sentença. Em caso de recurso por parte da Procuradoria, vamos fazer uma defesa na segunda instância”, garantiu.

Em nota, a Procuradoria-geral do DF (PGDF) comentou “que ainda não foi intimada da decisão”. A PMDF ressaltou que todos os policiais foram indiciados e “o processo se encontra na Justiça”.

O caso

Na noite do dia 1º de junho do ano passado, Wellington Luiz foi fazer compras em um supermercado em Planaltina, após receber a segunda parcela do auxílio emergencial pago em virtude da pandemia da covid-19. Ele teria pedido a um funcionário do mercado a senha do wi-fi do estabelecimento, para acessar o aplicativo com dados sobre o benefício. Pouco depois, foi parado pelos PMs. “Quando saí do mercado, dois policiais me abordaram no estacionamento. Até aí, tudo bem. Viram meus documentos e, do nada, um deles me deu um soco na coluna. Eu o questionei: ‘o que é isso, senhor?’”, relatou.

Uma testemunha filmou a abordagem. Na gravação, é possível ouvir Wellington Luiz gritar “eu não fiz nada de errado!”. Os policiais o repreenderam: “fala baixo!”. Na sequência, deram chutes e golpearam a vítima com cassetete por quatro vezes. “Quando caí no chão, jogaram spray de pimenta no meu rosto e me deram uma pedrada na cabeça”, detalhou o ambulante à época do ocorrido.

Ele detalhou ao Correio que sofreu lesões na clavícula e no crânio, além de diversas escoriações pelo corpo. O caso mobilizou a população local, que foi às ruas protestar contra a violência policial e o racismo. A versão da Polícia Militar do DF foi de que os policiais tinham sido acionados para atender a um chamado de perturbação da tranquilidade e da ordem pública no local. Em nota, a corregedoria da corporação negou que o caso envolvesse racismo, mas confirmou ter havido violência policial.

Violência policial

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020 mostram que, em 2019, 6.375 pessoas morreram em ações registradas como intervenção policial, um aumento de 3,2% em relação a 2018. Desde 2013, quando o anuário passou a fazer o monitoramento, este número vem crescendo — e em relação ao ano inicial, o aumento foi de 188,2%.

O número de óbitos nas ações representa 13,3% do total de mortes violentas registradas no Brasil em 2019. O estado com a maior taxa de mortalidade por intervenção policial é o Amapá, seguido pelo Rio de Janeiro e por Goiás. O DF aparece em último, sendo 0,3 por 100 mil habitantes. Mas ainda é preciso atenção, conforme explica a advogada e especialista em segurança pública Isabel Figueiredo.

“Quanto aos casos de mortalidade, em geral, a PM do DF não é reconhecida como uma polícia violenta. A princípio, tem um bom treinamento, um olhar mais técnico. Mas por outro lado, temos uma quantidade gigantesca de mau comportamento policial nas cidades-satélites. Não é incomum, principalmente entre jovens negros, haver uma quantidade enorme de relatos de abuso policial”, pontua Isabel.

Para ela, há três fatores que resultam em violência policial. O primeiro é a falta de treinamento e de preparo. O segundo, é a ausência de supervisão e controle. E o terceiro, se resume aos policiais violentos. “É uma minoria, não traduz a tropa, que normalmente é muito profissionalizada. Mas há pessoas que não têm, inclusive, clareza do mandato policial. Eu vou ter, muitas vezes, o policial que não acredita no sistema de justiça, no funcionamento, e busca fazer com as próprias mãos”, explica.

A PMDF explicou, em nota, que todos os seus cursos têm como base os direitos humanos, o que reflete no menor índice de letalidade policial do Brasil. “O índice do DF ficou em 0,3 mortes por 100 mil habitantes, o menor do país; sendo que a média nacional marcou 2,9 a cada 100 mil. Casos de desvio de conduta acontecem como em qualquer profissão e são devidamente apurados e responsabilizados na medida”, declarou.

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