Violência

Trânsito: DF precisa reduzir mortes em acidentes pela metade até 2030

No domingo (18/7), a família do ciclista Brendo Santiago, de 20 anos, despediu-se dele após um atropelamento. Apesar da redução de 33,3% nos casos do tipo, os números do DF ainda são alarmantes

Edis Henrique Peres
Pedro Marra
Rafaela Martins
postado em 19/07/2021 06:00
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Um atropelamento interrompeu brutalmente a vida do jovem brasiliense de 20 anos Brendo Santiago de Oliveira. Ele trabalhava em uma rede de fast food em Valparaíso (GO) e morava em Santa Maria. Morreu horas após ser atingido por um veículo enquanto pedalava na região administrativa. O condutor fugiu do local e, apesar de ter sido identificado pela polícia, ainda não foi detido, nem havia se apresentado na delegacia até o fechamento desta edição (leia Memória).

A morte de Brendo, na sexta-feira, engrossa as estatísticas das fatalidades no trânsito da capital. Somente nos seis primeiros meses deste ano, 64 pessoas perderam a vida nas vias do Distrito Federal. O número é 33,3% menor que o registrado no mesmo período do ano passado, quando 96 morreram. Essa é a segunda maior redução dos últimos 21 anos. O Departamento de Trânsito (Detran-DF) atribui a queda a dois fatores: ao lockdown, que reduziu a quantidade de veículos em circulação, e às campanhas educativas realizadas pelo órgão. Ao todo, 130 mil pessoas foram abordadas em ações de educação para o trânsito em 2020.

Embora o número tenha reduzido, muitas famílias ainda vivem o luto pela perda de um ente querido em acidentes. Os amigos e familiares de Brendo são alguns deles. O velório, na Assembleia de Deus de Brasília, no Gama, na tarde de ontem, foi marcado pelo desconsolo. Na cerimônia reservada aos mais próximos, amigos e familiares apoiavam-se uns aos outros para tentar suportar a dor. Uma parente de Brendo chegou a passar mal e foi consolada pelos presentes, do lado de fora.

Lucas Santiago, 24 anos, estudante, morador de Santa Maria e primo de Brendo, lembrou as tardes de diversão com o rapaz. “Ele era sempre muito sorridente. Gostava de ficar sozinho, não tinha muitos amigos fora da família, mas, com os próximos, era muito alegre. A gente sempre saía juntos, mesmo que fosse apenas para andar um pouco de bicicleta. Fomos criados juntos. Vivíamos jogando futebol no Playstation 2”, narra.

O familiar destaca que foi em meados de agosto do ano passado que ele, Brendo e o outro primo, Edmar Souza, 20 anos, também morador de Santa Maria, se reuniram na casa da avó para ajudá-la com algumas reformas. “A gente estava pintando a casa dela e não tinha outra, quando a gente se via era uma alegria só”, diz Edmar. Em busca de atender o último desejo de Brendo, a família arrecadou dinheiro para cremá-lo e jogar as cinzas na natureza.

Transparência

Apesar da redução de fatalidades, o DF ainda tem grandes desafios. Uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável é que o país reduza à metade a quantidade de acidentes fatais até 2030. Doutor em engenharia de transportes e professor da Universidade de Brasília (UnB), Pastor Willy Gonzales Taco alerta que o percentual só será cumprido se o governo (em todas as esferas) adotar uma política transparente de enfrentamento às mortes no trânsito; engajar a sociedade; e atuar na formação de base.

Entre as políticas recomendadas, Taco destaca a necessidade de os gestores públicos atuarem especialmente no combate ao uso do celular ao volante, coibindo o excesso de velocidade e enfrentando a embriaguez e o uso de drogas ilícitas. Também é preciso investir no transporte público de massa, acessível, barato e com qualidade. “Essas estão entre as principais causas de óbitos nas vias. É fundamental que o governo assuma a sua responsabilidade, defina concretamente o papel do cidadão; crie mecanismos de auditoria e monitoramento dos resultados das políticas públicas e divulgue em tempo real. Quem não está cumprindo bem o seu papel e precisa melhorar? Qual ação deu certo? As pessoas precisam ser informadas”, defende.

Segundo o especialista, a partir do momento em que o poder público der transparência às ações e aos resultados, isso aumentará o engajamento da sociedade civil. E um dos caminhos é trabalhar com as associações de moradores, coletivos, igrejas, imprensa, iniciativa privada e, especialmente, as escolas. “Precisamos educar as crianças para o trânsito. A geração que hoje tem 10, 11 anos, será motorista daqui a uma década. Que motorista essa geração do celular, dos aparatos tecnológicos será?”, pergunta.

Redução da mobilidade

Na opinião da doutora em transportes pela UnB Adriana Modesto, as ações restritivas por parte do GDF contra a disseminação do novo coronavírus no primeiro ano de pandemia tiveram influência direta na redução de 33% nos acidentes fatais entre a primeira metade de 2020 com 2021. “Têm sido preconizadas medidas preventivas ao contágio, como a imunização, ainda incipiente (em fase inicial), o uso de equipamentos de proteção individual, estratégias de redução de contato social deflagradas pelas autoridades públicas, além da redução da mobilidade, tendo em vista esta última. Parte dos trabalhadores passaram a exercer suas tarefas em regime de home office. Por consequência, também impactando no cenário do trânsito em razão da redução da circulação de veículos individuais motorizados”, analisa a especialista.

Nos primeiros seis meses de 2000, o Detran-DF registrou 218 acidentes fatais de trânsito, e 96 no mesmo período de 2020 — uma queda de 127%, em 20 anos. “Tendo em vista a série histórica, a redução do número de sinistros de trânsito e respectiva severidade podem ser justificadas por fatores como a potencial efetividade de campanhas de conscientização sobre os riscos do trânsito, melhorias na infraestrutura viária, redução de limites de velocidade, a exemplo das vias do Lago Norte, efetividade da fiscalização e, de forma extensiva ao país, ações de caráter normativo com implicações para a segurança viária”, comenta Adriana.

» Três perguntas para

Régis Otávio, diretor de Educação Substituto do Detran-DF

Como a autarquia conseguiu diminuir o número de acidentes fatais no DF?
O lockdown e todas as outras medidas relativas à pandemia trouxeram uma queda significativa de veículos e pedestres na rua, e isso significa menos riscos de acidentes. Mas nós vemos que há uma queda desde o ano passado. Os números continuam reduzindo, e isso nos leva a acreditar que as ações educativas estão fazendo efeito. Mesmo com toda a dificuldade, começamos a fazer lives, parceria com síndicos, trabalho de educação do condutor junto à fiscalização, e isso tem retornado de forma positiva, basta ver os números.

Quantas pessoas foram atingidas por essas ações?
No ano passado, atendemos mais de 130 mil pessoas com nossas ações educativas. De alguma maneira, atingimos a população. O número de acidentes fatais com pedestres, motociclistas e outros, também está caindo, e espero que continue assim. Se eu pudesse congelar esses números, seria ótimo. Também o nosso trabalho de conscientização por meio de campanhas publicitárias está mais leve, justamente pelo momento que vivemos. Deixamos para trás a ideia de que temos que mostrar tragédia.

Quais os projetos futuros do Detran?
A partir dos próximos dias, vamos colocar viaturas do Detran nas faixas de pedestre, para que voltemos a ter orgulho de falar que “em Brasília, o condutor sempre para, quando o pedestre deseja atravessar”. Vai ser um trabalho forte. O lema do Detran para este ano é justamente esse, de que “Responsabilidade Salva Vidas”. Entendemos que é um trabalho conjunto, estamos alcançando o cidadão e conscientizando a população cada vez mais. Estamos tentando deixar a punição para os últimos casos. Com o trabalho forte na área de educação, acredito que a população está aceitando cada vez mais e entendendo que cada um tem um papel importante no trânsito.

» Memória

Motorista não prestou socorro

Brendo foi atropelado na última sexta-feira, em frente ao quartel da Polícia Militar em Santa Maria. O rapaz estava de bicicleta quando foi atingido por um Fiat Bravo cinza. Em um circuito de segurança, que flagrou o momento da colisão, é possível ver o motorista do veículo estacionando o carro próximo ao local. O homem desce do Fiat com um passageiro, caminha até o corpo de Brendo e deixa o local a pé. De acordo com o Corpo de Bombeiros, quando a equipe chegou para socorrer a vítima, o motorista não estava nas proximidades. Foram pedestres que passavam na região que ligaram para a emergência. Devido à gravidade do caso, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi acionado e levou o ciclista para o Hospital Regional de Santa Maria. Brendo não resistiu aos ferimentos.


» Acidentes fatais

Confira o percentual de acidentes fatais em relação ao 1° semestre do ano anterior, respectivamente:

Ano Acidentes fatais Variação (%)

2021 64-33,3
2020 96-29,4
2019136-13,9
2018 15829,50
2017112-34,8
2016172 0
2015172-8,9
2014189-9,2
2013173-8,9
2012190-12,03
20112162,8
201021011,7
2009188-15,3
200822220
2007182,2
2006181-8,1
20051974,2
2004189-10,8
20032127
2002198-0,5
2001199-8,7
2000218

Fonte: Detran/DF

 

 

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