COTIDIANO

Cresce o número de interessados em adoção durante a pandemia no DF

Mais processos de inscrição ao amparo foram abertos, totalizando 200 pedidos, superior à média de 110 famílias inscritas em anos anteriores. Para especialista, aumento está diretamente relacionado ao isolamento social da pandemia da covid-19

Cibele Moreira
Ana Maria da Silva
postado em 26/07/2021 06:00
 (crédito:   Marcelo Ferreira/CB/D.A Press                         )
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press )

Os processos de acolhimento de crianças e adolescentes não foram interrompidos pela pandemia. No entanto, segundo levantamento da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (VIJ/DF), o número de adoções caiu em 2020 quando comparado a 2019: 65 contra 71. No entanto, foram registrados 200 novos pedidos de abertura dos processos de acolhimento, uma procura maior que a média registrada em anos anteriores, de 110 famílias.

O supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da VIJ-DF (SEFAM/VIJ), Walter Gomes, explica que o aumento dos processos de inscrições está diretamente relacionado ao isolamento social, consequência da pandemia da covid-19. Para ele, o maior tempo de permanência no ambiente doméstico serviu para despertar o interesse em vínculos de filiação. “Os pais, mais conscientes, fizeram uma reciclagem das suas funções paternas-maternas em relação aos filhos. Os que já tinham a semente do vínculo adotivo acabaram refletindo de maneira apurada e amadureceram esse desejo, que se transformou em um projeto”, diz.

Para Walter, a redução de adoções não é atribuída à pandemia, mas sim ao aumento de reintegrações de crianças e adolescentes às famílias de origem. Aproximadamente 170 jovens passaram por esse processo, segundo dados da VIJ/DF. Em 2019, ocorreram 123 reintegrações. Walter ressalta que a adoção é sempre uma medida excepcional. “O juiz só permite o cadastramento quando há total incapacidade do retorno à sua família de origem. Quando a família deixa de ser protetiva”, pontua. Além disso, houve uma queda no número de crianças entregues voluntariamente à adoção.

A alta procura de interessados em adotar fez com que o Sistema de Justiça no Brasil fizesse adaptações para que meninos e meninas do DF pudessem ter seus direitos resguardados. A explicação que Walter dá ao Correio é que, com as atividades suspensas, devido à pandemia, o sistema precisou ser digitalizado. As conversas psicossociais passaram a ser feitas por meio de vídeo chamadas e aplicativos.

“As entrevistas foram conduzidas de forma remota e, claro, sempre com limitações. Por meio dos recursos tecnológicos, realizamos entrevistas online e pedimos aos próprios candidatos que apresentem suas casas. Foi a forma encontrada para cumprir esse protocolo das avaliações dos candidatos”, explica o supervisor de Colocação em Família Substituta da VIJ-DF (Sefam/VIJ). Em abril, cerca de 350 famílias vinculadas ao processo de habilitação para adoção passaram pelo curso preparatório.

Sonho realizado

Foi durante a pandemia que a assistente social Thais Lopes Lino Fonseca, 33 anos, e o consultor comercial Antoniel Fonseca Soares Lopes, 39, decidiram adotar. Eles contam que têm vontade de adotar há muitos anos. “Desde a minha adolescência, eu sempre tive esse desejo pela adoção. Eu tive alguns amigos que eram adotados, então fazia parte da minha convivência. Quando conheci Thaís, ela dizia que tinha esse sonho também. Tudo isso só se fortaleceu quando nos juntamos”, garante Antoniel.

Os dois deram início ao processo de adoção em 2017, na VIJ/DF. De acordo com Thaís, depois de entregarem os documentos, fizeram o curso de capacitação que a justiça exige. No final, foram avaliados, habilitados e inseridos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e no cadastro do DF. A jovem conta que o perfil da família foi para um grupo de irmãos. “O período de espera não é fácil, é angustiante pensar que nossos filhos estão em algum contexto de violência”, conta a assistente social.

Foi em maio de 2020 que o casal recebeu a ligação que mudaria suas vidas. Por meio de uma busca ativa do grupo de apoio Aconchego, foram informados sobre quatro irmãos: uma menina de 11 anos e três meninos de 9, 6 e 3 anos. “Não tínhamos dúvida de que aquelas crianças eram os nossos filhos”, diz Thaís. Para o casal, a parte mais difícil foi não ter contato direto com as crianças em razão da pandemia. “Começamos nosso processo de estágio de convivência em plena pandemia. Foi um desafio, pois precisamos tomar muito cuidado com as questões de limpeza no período das visitas ao abrigo”, recorda a assistente social.

Agora, o casal aguarda para finalizar o processo de adoção. “Nosso estágio foi encerrado, mas ainda não finalizamos. Isso é o mais angustiante. Não ter a certidão de nascimento dos nossos filhos, com nosso nome e ainda ter que esperar que a Justiça finalize o processo de destituição do poder familiar”, conta Thaís. “Nossos dias em casa são cheios de alegria, mas também de desafios. Nossos filhos precisavam de amor e cuidado, e nesse um ano em casa temos conseguido dar isso a eles”, afirma.

Surpresa em dobro

O desejo de adotar veio junto com o casamento tardio de Wanda Maciel Marques, 57 anos, e Antônio da Conceição Marques, 54. Pelos riscos de uma gravidez com mais de 40 anos, o casal decidiu entrar com o pedido de adoção logo após o casamento, em 2008. O processo se estendeu por quatro anos e meio e, em 2013, João Felipe chegou para alegrar a família com um ano e um mês de idade. O perfil que o casal pediu era que a criança se parecesse um pouco com os dois fisicamente, tivesse entre 0 e 3 anos e poderia vir com um irmão ou irmã.

A convivência no núcleo familiar foi tão boa que eles decidiram aumentar, e em uma conversa com o filho veio o pedido: “Quero ter uma irmã”. “A gente sempre perguntava para ele sobre essa possibilidade, crescemos com irmãos e queríamos dar essa experiência para ele também. Mas ele não queria um menino, queria uma menina. A certeza veio na justificativa dele, ‘eu vou ser o herói e o cavalheiro dela’. Quando ele me falou isso, não tive dúvidas e iniciei o processo de adoção novamente em 2014”, conta Wanda.

Mas a espera se alongou mais, com seis anos, até ter o pedido concretizado. “Estava perdendo as esperanças. Veio a pandemia e nada. Então abrimos a possibilidade de ser com um irmão”, explica a servidora pública aposentada. “No início deste ano, eu pus um limite. Se não desse certo até o fim do ano, a gente desistiria. Esperamos demais e estamos envelhecendo também, por mais que tenhamos vontade, não teríamos pique para acompanhar”, comenta.

Em 6 de março, a notícia tão esperada. Havia uma menina (4 anos) para adoção que se encaixava no perfil do casal, mas vinha com um irmão (1 ano). Uma surpresa dupla que animou Wanda e António que, mesmo antes de ver as crianças, deram a confirmação, “é nosso”. Foram 12 dias indo de Sobradinho, onde o casal mora, a Taguatinga, para ter contato com os futuros filhos. “Levávamos várias mudas de roupa para trocar na hora que a gente chegava e depois na saída, todos os protocolos necessários para protegê-los contra a covid-19”, relata.

A pandemia também impactou na recepção das duas crianças à nova família. Sem poder ter um chá de boas vindas presencialmente, o casal contou o apoio de amigos e familiares, que mandaram mensagens positivas de forma virtual. “Mandaram roupas, brinquedos, sapatos, fraldas. Fizemos um mural com quase 300 mensagens”, conta Wanda. “E em uma pandemia onde há tantas perdas, ver um movimento de vida faz toda a diferença”, comenta a aposentada. Para ela, todo esse carinho serviu de suporte nos momentos mais difíceis de adaptação.

Nova família, e agora?

O processo de adaptação não é fácil para os pais, e é menos ainda para o adotado. De acordo com a psicóloga Maria da Penha Oliveira, o processo dos pais é semelhante ao das crianças e adolescentes. Um dos pontos prejudiciais que surgiram com a pandemia da covid-19, segundo a especialista, foi o processo acelerado de apresentação das famílias.

Em alguns aspectos, isso pode ser prejudicial, uma vez que as crianças vêm de outros contextos sociais. “São vocabulários desconhecidos, que a família precisa estar preparada para traduzir. Existe um tempo e isso não pode ser apressado. Eu conheço famílias que fizeram toda a linha de convivência de forma virtual. Eles pensaram, estudaram estratégias para receber o adotado, mas a criança chegou com uma outra bagagem e a família demorou até se adaptar”, diz. “É uma montanha-russa de emoção. Esse pós-parto adotivo exige muito de todas as partes, seja da criança, seja da família”, pontua a psicóloga.

Perfil clássico

Atualmente, são 128 crianças e adolescentes cadastrados para adoção, segundo dados da VIJ/DF e são 526 famílias habilitadas para adoção, sendo que 95% desejam adotar crianças de zero a 2 anos, saudáveis e sem irmãos. De acordo com o supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da VIJ/DF (SEFAM/VIJ), Walter Gomes, há incompatibilidade entre o perfil dos disponibilizados e pretendentes. “Isso é um reflexo de todo país. Em nível nacional, no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), você vai ter uma estimativa de cerca de 4.800 crianças e adolescentes cadastrados em nível nacional, e a quantidade de pretendentes é cerca de 42 mil famílias em todo o território”, diz.

O perfil clássico — crianças de zero a 2 anos, saudáveis —, é o menor disponibilizado, e isso impacta no tempo de espera. “Quanto menor a pretensão do perfil, maior o tempo de espera. Se você especifica o desejo de adotar, o tempo é abreviado em 90%”. “A diferença no tempo de concretização é impactante. Se você se habilita querendo adotar o perfil clássico, é preciso esperar cinco a seis anos para concretizar o sonho. Se você se habilitar hoje, com o perfil pretendido flexibilizado para adotar dois irmãos entre 8 e 2 anos, por exemplo, na semana que vem já pode iniciar o estágio de convivência”, garante Walter Gomes, supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da VIJ/DF.


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