Crônica da Cidade

Uma lição

Mariana Niederauer
postado em 25/07/2021 23:29

A primeira vez que entrevistei o professor Ricardo Fragelli foi no fim de 2015. Era início de dezembro, e eu e o fotógrafo Minervino Júnior nos encontrávamos com o docente à frente da disciplina de Cálculo 1 da Faculdade do Gama. Àquela altura, o novo câmpus da Universidade de Brasília (UnB) havia sido inaugurado e eu estreava por lá. Antes, tinha estado também na sede provisória, instalada no antigo fórum da região administrativa. Acompanhei, como estudante de jornalismo e depois como profissional formada, o processo que levou à instalação no espaço permanente.

Salas e auditório novinhos e eu lá, sentada numa carteira ouvindo o professor explicar tim-tim por tim-tim o método que havia desenvolvido para estimular a aprendizagem e diminuir as reprovações, virei novamente o que na verdade nunca deixei nem pretendo deixar de ser: uma estudante. Fragelli é desses que gosta de conversar. O papo é sempre animado e regado de descontração. Daquele de deixar o jornalista perdido no momento de iniciar um texto, dado o volume de informações e de frases importantes que dá vontade de não parar de escrever. Respeitar os limites da edição é tarefa árdua.

Quem já cursou ciências exatas na UnB sabe que a disciplina de Cálculo 1 é uma das mais temidas. Recém-chegados do ensino médio, os estudantes raramente tiveram contato com cálculos tão complexos quanto os apresentados logo ali, naquele primeiro semestre de curso. “Nós dividimos uma área em infinitos retângulos de tamanho infinitamente pequeno, e isso tem que ser feito em um minuto”, exemplificou o professor quando conversamos naquele ano. Assim que assumiu as turmas da disciplina, a taxa de reprovação chegava a 50% e, depois de usar o chamado Método trezentos, de aprendizagem ativa e colaborativa, caiu para cerca de 5%.

Longe de ser mirabolante, a solução estava ali, diante dos olhos dele: os próprios alunos. Em resumo, o método consiste em deixar os de melhor desempenho ensinarem os que tiraram notas mais baixas, e também pontuá-los por isso. Aliado a outras dinâmicas, como o jogo em duplas Rei da Derivada e o divertido Sumaê, que tomou conta dos cinemas da cidade, com estudantes fantasiados e com um elemento-chave — o chapéu — o projeto mudou os rumos da disciplina. Mais tarde, nasceu também o Eight, com palestras de até oito minutos para os alunos apresentarem projetos de impacto na comunidade — acadêmica ou não.

Fragelli transborda generosidade e potência. Ao lado da mulher, a fisioterapeuta e também professora Thaís, formam uma dupla de super-heróis pronta para guiar auditórios e, no fim, multidões por caminhos que antes pareciam impossíveis. No último fim de semana, o casal me presenteou com o livro resultado dessa história premiada e reconhecida que comecei a contar há cerca de cinco anos. Para finalizar essa crônica, faço minhas as palavras desse inspirado e premiado educador que resolveu mudar o curso da história de milhares de alunos depois de assistir a um filme de Natal: “Que comecemos a procura pelo melhor professor, ainda oculto, virtuoso e inquieto, dentro de nós”.

 

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