Os segredos da magia
O que a bruxa ou mago das histórias têm em comum? Pode-se até estender a regra a outros seres fantásticos como fadas e duendes. O que têm em comum é a palavra. Há sempre uma palavra mágica para que o feitiço funcione. Uma palavra antiga, uma palavra de outra cultura, espécie, tempo ou dimensão. Um som fantástico que puxa as cordas da realidade ecoando o acorde das transformações. Com certa liberdade, é possível deduzir que o segredo da palavra mágica se estenda a outros seres mágicos, de outras culturas. Não escapa, sequer, a tardia mitologia cristã. Nela, o próprio criador faz uso da palavra mágica. “Faça-se a luz! E a luz se fez.”
A magia, então, pode-se deduzir, é algo diretamente ligado às palavras para diferentes culturas. Ligado à fantástica capacidade de comunicação do ser humano, que se desdobra como personagem radical na imagem-base dos seres fantásticos que mencionamos acima. Criaturas grandes ou pequenas, mas dotadas de duas pernas, dois braços, da capacidade de falar e dizer. E se é preciso ancorar a imaginação à realidade ao mencionar os frutos culturais da imaginação coletiva, também é possível tatear o mundo real ao percorrer o humano mundo das palavras sem abrir mão da magia.
É quando o viajante se dá conta que pisa os caminhos da etimologia, por exemplo, onde cada palavra cruzou a história do tempo para alcançar o presente. Chega com definição própria, mas com longa vida e com as torções que a realidade nos impõe. Do latim, do germânico, sabe-se lá de onde, traz uma longa vivência, e, como um genuíno local com traços estrangeiros, não precisa sequer adaptar-se a um mundo que já é seu, independente dos cabelos grossos e pretos, dos olhos claros e turvos, dos lábios carnudos, fortes, mágicos ou das fugidias matizes cutâneas.
Vide a brasileiríssima palavra “folclore”. Do inglês, folk, interior, e lore, conhecimento. O conhecimento do interior, com suas ervas, superstições, estórias, dogmas, segredos, temores, conselhos, exemplos e orientações. Mas por que caminhos seguimos nessa tortuosa história? Outro segredo do feitiço, do inglês, spell — que também significa soletrar, em tradução livre — é que o resultado do prodigioso ato é tão imprevisto quanto qualquer ação ou palavra crua da draconiana rotina de nossa espécie. Logo, não se trata de um deus ex machina, recurso literário onde lançamos mão do absurdo para resolver uma situação aparentemente impossível.
Magia e palavra são honestas nessa situação. São imprevisíveis em seus resultados. Eis o segredo. Não há magia (spell) que dê completamente certo. É a nossa contribuição na cadeia do caos que nos rege. Mas, como os exóticos feiticeiros das fantasias, desastrados condutores do inesperado da sabedoria, aqueles que falam do coração seguem improvisando pelo caminho trôpego da vida. Um abismo, uma flor, um sorriso, uma dor. Falar é fazer. A palavra exibe o coração, o que há de mais sensível, e entendemos o mundo tão mutante quanto a mágica e as palavras. A melhor das mágicas tem âncora na realidade quando a mentira é ilusão medíocre de estelionatários.
Por isso é tão importante dizer. Rasgar o véu do mistério sabendo que a solução que a palavra trará virá com novos desafios. Por isso, pode-se falar de tantas formas, em enigmas, parlendas, prosas e poesias. O que o “avô” evoca? Como conjurar o “amor”? Porque é tão difícil bradar “não”, bradar “basta”, bradar “chega”? A palavra é chave. E se não dissermos a tempo o que precisamos, o molho de chaves se tornará cada vez mais cheio e pesado, com soluções para segredos que já não existem mais e de que nunca poderemos nos livrar.
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