Crime

Racismo em transporte por app

Motorista se nega a transportar morador do Guará e diz:"Preto não vai entrar no meu carro a essa hora da manhã". Ocorrência foi registrada por Patrick Gomes de Souza na 4º DP (Guará). Para especialistas, caso não se trata apenas de injúria racial

» CIBELE MOREIRA
postado em 02/08/2021 22:17
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

“Preto não vai entrar no meu carro a essa hora da manhã”. Foi assim que o autônomo Patrick Vinícius Gomes de Souza, 25 anos, e o filho de três anos foram recebidos pelo motorista por aplicativo da empresa 99 na última sexta-feira. Morador do Guará, Patrick conta que solicitou a corrida para levar o filho à creche, porém foi impedido de entrar no veículo pelo condutor, que o insultou e arrancou com o carro sem iniciar a viagem.

“Quando eu cheguei perto do carro, falei bom dia para o motorista e, ao me ver, ele trancou a porta e disse: ‘Preto não vai entrar no meu carro a essa hora da manhã’”, relatou Patrick Vinícius. “Ele ainda falou vários palavrões, que não cabem comentar, depois saiu cantando pneu”, complementa o autônomo. Segundo a vítima, a situação foi presenciada por várias pessoas que estavam passando no momento do ocorrido.

“Já enfrentei situações como essa. É muito complicado, fora a vergonha que passei na rua em frente ao meu prédio”, conta. “Ele poderia ter simplesmente inventado uma desculpa e cancelado a corrida. Ia ficar subentendido, mas é melhor do que ele dizer isso claramente. Falta de respeito”, aponta Patrick, que registrou, ontem, boletim de ocorrência na 4ª Delegacia de Polícia (Guará II), que investiga o caso. “Registrei a ocorrência para ele não fazer isso com mais ninguém. A empresa fala que o motorista tem nota 4.9, várias corridas. Mas isso não garante que ele não cometa atos racistas”, afirma Patrick.

A ocorrência foi registrada como injúria racial, que consiste na conduta de ofender a dignidade de alguém utilizando elementos referentes a raça, cor ou etnia. De acordo com o código penal, a pessoa que cometer o crime pode ser condenada à pena de um a três anos de reclusão e multa (leia Para saber mais).

Racismo

Para o presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-DF, Beethoven Andrade, o crime se trata de racismo. “Quando o motorista impede um negro de entrar no veículo dele, ele está prestando um serviço e impede a prestação de um serviço, essa atitude dele se enquadra na Lei 7716 (que trata sobre crimes de racismo). Essa lei tem um histórico de criação exatamente por esse tipo de atitude. Exemplo: não permitir que negros entrem em hotéis, em determinados estabelecimentos, negar o atendimento em serviço público ou privado pela condição dela, condição de negro. Não se trata de um crime de injúria, se trata de um crime de racismo. Fica bem claro quando ele nega o serviço, ainda mais na presença de criança. Atinge aquele pai e também toda a coletividade negra”, esclarece.

Advogado especialista em direito público e cientista político, Nauê Bernardo de Azevedo também concorda que o crime foi de racismo, e não de injúria racial. “Não se nota somente uma intenção de injuriar a vítima, mas um desprezo direcionado a todo um grupo social, no caso negros. E, no ato, o motorista impediu o acesso da vítima a um meio de transporte por possível discriminação racista, a partir do relato. Assim sendo, entendo que não há que se falar em injúria racial”, explica.

Em nota, a 99 lamenta o ocorrido. “Assim que tomamos conhecimento do fato, banimos o motorista do app. Além disso, estamos em contato com Patrick para oferecer suporte e nos encontramos disponíveis para colaborar com as autoridades”, destacou a empresa. Segundo o comunicado, a plataforma tem uma política de tolerância zero em casos como esse e repudia veementemente qualquer ato discriminatório. “Todos os usuários, sejam eles motoristas ou passageiros, devem se tratar com respeito e profissionalismo. Em comportamentos assim, que vão contra os Termos de Uso e o Guia da Comunidade 99, todas as medidas cabíveis são adotadas, incluindo o bloqueio imediato do perfil”, ressaltou a empresa.

Segundo caso

Essa é a segunda vez, em uma semana, que situações racistas ganham repercussão no Distrito Federal. Na última quarta-feira, uma senhora de 64 anos foi presa por uma policial militar por injúria racial contra um idoso negro, 70, em frente ao Taguatinga Shopping. A ofensa foi registrada em vídeo pelo filho da vítima, que estava gravando uma conversa com o pai no momento em que foram insultados. Uma policial militar que estava de folga viu a confusão e interveio. A idosa se recusou a pedir desculpas e acabou sendo presa em flagrante. No entanto, ela foi solta no mesmo dia após pagar uma fiança de R$ 1 mil.

Colaborou Luana Patriolino

 

 

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Diferenças entre os crimes

Injúria racial

A injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, que estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. De acordo com o dispositivo, injuriar seria ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Em geral, o crime de injúria está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima.

Racismo

Previsto na Lei nº 7.716 de 1989, o crime de racismo implica em conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. O CNJ expõe que, nesses casos, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor. A norma enquadra uma série de situações como crime de racismo, por exemplo, recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso, negar ou obstar emprego em empresa privada, por exemplo.

 

 

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