Crônica da Cidade

O sítio de Burle 2

Severino Francisco
postado em 04/08/2021 21:59


Em meio a tantas ameaças às nossas matas, no campo, e às nossas árvores, nas cidades, na semana passada, recebemos uma notícia alentadora: o Sítio Roberto Burle Marx, em Guaratiba, no Rio de Janeiro, foi tombado como patrimônio cultural da humanidade pela Unesco. É uma riqueza e uma proteção contra a ignorância triunfante. Nada mais justo e oportuno, principalmente no momento em que vivemos de obscurantismo e de agenda de destruição.

Quando passar a pandemia, o primeiro endereço que gostaria de visitar é o sítio do Burle. Na verdade, ele é um verdadeiro jardim botânico com 40 mil metros quadrados, 3,5 mil espécies de plantas tropicais, um conjunto arquitetônico reformado sob a supervisão de Lucio Costa e Carlos Leão, sete lagos, coleções de arte sacra, de arte popular e de cerâmica pré-colombiana, desenhos, projetos e croquis.

Abriga uma das mais valiosas coleções de plantas vivas do mundo. Tem espécies da Amazônia, de Porto Rico, do Haiti, do Equador, da África e da Índia. Na impossibilidade de viajar até Guaratiba, visitei o livro virtual Sítio Roberto Burle Marx. É uma espécie de paraíso tropical na terra: “Deus, para mim, é a natureza”, dizia Burle.

Ele chegou a elaborar um plano paisagístico para Brasília, mas que se perdeu e não foi mais encontrado. Apesar de ter realizado alguns trabalhos primorosos de integração arte-arquitetura na cidade, tais como os jardins do Palácio do Itamaraty, do Teatro Nacional ou do Hospital Sarah Kubistchek, Brasília seria ainda mais harmônica se os projeto de Burle tivessem se materializado.

Burle adquiriu o Sítio Santo Antônio da Bica, em Barra do Guaratiba, em 1949, no Rio de Janeiro. Ele se tornou o maior paisagista do século 20 ao substituir o rigor geométrico do jardim europeu pela exuberância e violência do jardim tropical: “Estou mostrando um pouco aquilo que o Brasil tem de rico, de extraordinário, mais valioso: cada dia que passo ali estou diante de um pedaço que parece uma oração, que parece um poema, que parece um cântico, em que a natureza se expressa com a violência que ela tem, de beleza e de razão de existência”.

No sítio de Burle Marx, as espécies colhidas em várias regiões do Brasil e de outros países convivem com três tipos de vegetação nativa: o manguezal, a restinga e a Mata Atlântica. Burle demorou mais de dois anos para escolher o lugar ideal para abrigar suas coleções de plantas, organizadas em jardins e viveiros, visitados por pesquisadores do Brasil e de outros países: “Procuramos um lugar que tivesse bonita vista, que tivesse pedras e água, o que consegui”.

O sítio era o lugar que Burle conseguiu a realização plena do seu ideal: “Santo Antônio da Bica tem uma importância extraordinária na minha vida”, dizia Burle: “Abriga uma coleção que estou fazendo desde a idade de 7 anos”. Vários projetos de Burle se frustraram, mas o sítio é a materialização viva da utopia de jardim tropical.

Ele deixou mensagens, dramaticamente, atuais: “Creio que é tempo de o Brasil aprender a amar a natureza — as florestas, os rios, os lagos, os bichos, os pássaros. Creio que é preciso reformular nosso conceito de patriotismo. Patriotismo, para mim, é proteger o nosso patrimônio. Artístico, cultural, e a terra, que nos dá tudo isso”.

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