>> (cartas: SIG, Quadra 2, Lote 340 / CEP 70.610-901)

Crônica da Cidade

A derrubada das árvores 2

por Severino Francisco >> severinofrancisco.df@dabr.com.br
postado em 10/08/2021 22:25

Queria falar da beleza dos ipês-roxos, que aparece para nos salvar, precisamente quando a cidade fica mais ressequida e se crispa com uma feição de deserto. Em vez de arrefecer, o cenário inóspito emoldura e intensifica ainda mais o esplendor deles. Na W3 Sul, próximo à Igreja Dom Bosco, existe uma alameda de ipês-roxos que, no ápice, proporcionam átimos de beleza fulminante.
No entanto, fui atropelado por outros assuntos urgentes. Os ipês-roxos passaram de maneira fugaz, chegou a vez da estação amarela. Mas como falar sobre a beleza dos ipês-amarelos quando surge a ameaça de centenas de árvores para a construção do Viaduto da Epig, na passagem pelo Sudoeste?
Dos apartamentos, os moradores observam a presença de tucanos e araras. Tudo isso ficou sob o risco de desaparecer com a nova obra. De maneira espontânea, nasceu um movimento quando, em meados de julho, foram surpreendidos com a presença de estacas de demarcação da ampliação da via e da numeração sinistra das árvores a serem derrubadas.
Até onde puderam acompanhar, eles contaram 600. Parece que o GDF recuou neste quesito. No entanto, só a intenção mostra o descaso com o meio ambiente. Se fossem só as árvores já seria um estrago ecológico enorme.
Mas elas são apenas símbolos de outros impactos maiores na qualidade de vida dos moradores. Eles estão aflitos porque, na verdade, o número de vias da Avenida das Jaqueiras passará das atuais quatro (duas de cada lado) para oito. Isso significa que uma avenida maior do que o Eixão atravessará o bairro residencial e vai interferir na livre circulação dos moradores.
Em poucas horas, a motosserra devastará o trabalho de dezenas de anos da natureza: ipês, mangueiras, jatobás e sucupiras. Aquele corredor de árvores é morada de tucanos, araras, bentevis, entre outros pássaros. Além disso, serão afetados três parquinhos infantis. As áreas de convivência dos moradores, onde se realizam festas e saraus ao ar livre, serão eliminadas.
No último dia 28, os moradores instalaram faixas ao longo da Avenida das Jaqueiras para mobilizar os moradores do Sudoeste em um protesto pacífico. Instalar uma via expressa de alta velocidade no meio da cidade foi um dos deslizes do projeto de Lucio Costa ao conceber o Eixão. Esse equívoco será repetido no Sudoeste.
Nenhum projeto afetará tão gravemente em um bairro do Plano Piloto quanto a construção do Viaduto da Epig. Se erguer viadutos fosse solução para os problemas de mobilidade social, São Paulo seria exemplo para o Brasil e para o mundo.
Não pode ser feito a toque de caixa e sem transparência. Que estudos avalizaram empreendimento tão temerário? Existem estudos de impacto ambiental? O projeto está alinhado com o plano urbanístico de Brasília? Essa é a melhor solução para resolver os problemas de mobilidade urbana da cidade?
Todas essas questões permanecem obscuras. É absurdo que as excelências da Câmara Distrital se omitam diante de uma questão de tamanha gravidade. Na manhã de ontem, a promotora Marilda dos Reis Fontinele ajuizou uma ação pública para embargar a obra do viaduto da Epig por entender que ela poderá ferir a escala bucólica de Brasília com graves impactos do ponto de vista ambiental.
Ainda bem que o Ministério Público entrou no debate. Porque a capacidade de destruição das motosserras e de outros equipamentos de engenharia é veloz. A ação da promotora acende uma esperança de que a obra respeite a escala bucólica de Brasília.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação