Rubem Braga e Joel Silveira eram grandes amigos. Eles foram enviados para cobrir a campanha dos expedicionários brasileiros em luta contra o nazismo durante a Segunda Guerra Mundial. Quando saiu do Brasil, Joel recebeu apenas a seguinte recomendação do chefe Assis Chateaubriand: “Vê se não morre”.
Braga e Joel não morreram, enviaram pelo telex colaborações brilhantes que resultaram em dois clássicos do jornalismo brasileiro: Crônicas da guerra, de Rubem Braga, e Inverno da guerra, de Joel Silveira. Eles narram lances engraçados no meio da atrocidade das batalhas. Diziam que viajariam no dia seguinte e permaneciam no mesmo posto, só para despistar a concorrência do outro.
Depois que retornaram, Joel ficava preocupado com o instinto casmurro de Braga, fechado em um círculo cada vez mais restrito de amigos, que desapareciam com a passagem do tempo. Joel recomendou: “Você precisa ampliar o círculo de amigos, senão todos nós morremos e você ficará sozinho”. Ao que Braga replicou: “Já me custa muito aguentar vocês”.
Sou autor de uma quase entrevista com Joel Silveira. Telefonei, ele me respondeu de uma maneira tão ríspida que desisti da conversa. E não o entrevistei porque desobedeci uma regra básica que ele recomendava aos jornalistas: repórter não pode ter medo de ser chato.
Essas evocações me vêm ao ler o texto Joel Cinquentão, incluído na coletânea O poeta e outras crônicas de literatura e vida, de Rubem Braga (Global Editora). Na verdade, ao falar sobre Joel, Braga faz um tremendo elogio ao personagem que costuma ser esquecido no jornalismo brasileiro: o repórter. Segundo o cronista capixaba, a história profissional de Joel é um testemunho do grande erro do jornalismo brasileiro: o plano inferior em que é deixado o repórter.
Apesar da fama, da verve, da malícia e do estilo, em várias décadas de trabalho, Joel só fez raras reportagens, que se tornaram referências clássicas: “É que o repórter de qualidade é, via de regra, no Brasil, transformado em redator, vai ser copidesque, cozinheiro do jornal, fazedor de tópicos, ou cronista, ou coisa semelhante; é, de qualquer modo, amarrado burocraticamente a uma cadeira, dentro de uma sala”. Manuel Bandeira o considerava o maior repórter da imprensa brasileira.
Joel desempenhou todas as funções para as quais foi designado com muito brilho. No entanto, o repórter ficou em segundo plano. As observações de Braga são de uma atualidade dramática nestes tempos dominados pelo facilitário da internet e sua tendência ao pensamento único e as fake news. “Mas isso devem ser grunhidos de um velho dromedário que não compreende a imprensa moderna”, finaliza Braga.
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