Livro do destino

Severino Francisco
postado em 23/08/2021 20:49

Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosas, é um dos livros mais impactantes que li. Na verdade, é um daqueles clássicos que você nunca termina a leitura. Li três vezes e sempre parece uma nova obra. É possível apreciá-lo como uma narrativa amorosa, de suspense, metafísica, mística ou poética.

O título pode enganar os incautos e sugerir que trata-se de uma ficção regionalista. No entanto,Grande Sertãoé mais do que isso. Rosa transforma o sertão em símbolo do mundo: “O sertão é do tamanho do mundo.” Lia em 11 línguas e perpassou a narrativa de múltiplas referências da tradição mística universal: “Só estamos vivendo os futuros antanhos. Eu me alembro das coisas antes de elas acontecerem”.

Tive dificuldade de atravessar as primeiras 50 páginas, mas, depois de vencida a resistência inicial, mergulhei, com sofreguidão, no mistério do amor, de Deus e do diabo, da vida e da morte: “O que não é Deus é o estado do demônio.” Marcos Alvito, professor de história e antropologia, devoto de Guimarães Rosa, está oferecendo o curso on-lineLendo Grande Sertão: Veredas.

Ele pergunta: quanto tempo é necessário para ler a edição mais recente do livro, com 444 páginas? Se for computado o tempo dos relógios e dos calendários, o cálculo é de, aproximadamente, 11 dias. Mas se o interrogassem quanto tempo seria preciso para compreender o livro, a resposta seria a vida inteira: “O sertão é dentro da gente e encontrar as nossas veredas não é fácil”, constata Alvito em material de divulgação do curso.

E continua argumentando: o tempo deGrande Sertão: Veredasnão é o do relógio. É marcado pelo sol, pela lua, as estrelas, a pulsação das estações, as florações, o canto dos pássaros: “Era mês de macuco ainda passear solitário – macho e fêmea desemparelhados, cada um por si”.

Alvito lembra do encontro entre Riobaldo e o Menino no mês de maio, demarcado pelo ciclo vegetal: “No tempo de maio, quando o algodão lãla. Tudo branquinho”. Ao se dirigir às Veredas Mortas para firmar o pacto com o Cujo, Riobaldo diz: “eu subi de lá -noitinha, hora em que capivara acorda”.

Acuar o inimigo durante a madrugada é perigoso porque: “Ali quando é tempo de vaga-lume, esses são mil demais, sobre toda a parte: a gente mal chega, eles vão se esparramando de acender, na grama em redor é uma esteira de luz de fogo verde que tudo alastra”.

Para Rosa, escrever era descobrir “um novo pedaço de infinito”. Ele suava a camisa, dizia que os escritores deviam construir catedrais, não biscoitos. Por isso, exigia uma leitura com uma paciência ruminante deboi. Alvito se propõe a iniciar os leitores na aventura de ler e de reler Guimarães Rosa.

Rosa é atual para qualquer momento histórico, é moderno e eterno: “O que a vida quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza! Só assim de repente, na horinha em que se quer, de propósito – por coragem.”

PS: Quem estiver interessado no curso Lendo Grande Sertão: Veredas, pode entrar em contato pelo endereço eletrônico:marcosalvito@gmail.com

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