Uma mulher trans foi encontrada morta, ontem, nas proximidades do setor de embaixadas, área nobre da capital federal. Por volta das 6h, o corpo da jovem, identificada apenas como Ana Paula, foi avistado por pessoas que passavam entre a Embaixada do Canadá e a Via L4 Sul e acionaram a polícia.
Ela estava seminua e apresentava, na cabeça, um ferimento por disparo de arma de fogo. Em 15 dias, essa é a segunda morte de mulher trans que a polícia investiga as circunstâncias. Em 11 de agosto, outra vítima foi esfaqueada e encontrada sem vida no setor oeste do Gama.
A Polícia Militar foi acionada e isolou a área até a chegada da Polícia Civil. Ao lado do corpo, estavam, além do projétil, preservativos usados, que foram recolhidos para perícia. O delegado responsável pelo caso chama a atenção para o fato de a jovem estar descalça, mas sem sapatos na proximidade e também acredita que ela teria tentado impedir a agressão. “A vítima apresentava lesões de defesa nas mãos, o que é um indicativo de luta corporal”, explicou Marcelo Barreto, delegado-chefe da 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul).
Segundo informações preliminares obtidas pelos investigadores, a mulher costumava frequentar a região, na Asa Sul. O corpo de Ana Paula foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML), onde permanece para a perícia. A princípio, a polícia trabalha com a tese de homicídio, mas vai aprofundar as investigações com base nas evidências.
Homotransfobia
Embora ainda não seja possível afirmar que a morte esteja associada diretamente à orientação sexual da vítima, a população LGTBQIA+ vive em condição de insegurança motivada pelo preconceito. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF), nos primeiros sete meses deste ano, foram registradas 24 ocorrências de homotransfobia em todo o Distrito Federal. No mesmo período do ano passado, foram 23 casos.
Para Moema Bragança, professora do serviço social da Universidade Católica de Brasília, as mulheres trans vivem um conflito constante para existir com dignidade. “Só temos noção dessa dura realidade quando são notificadas essas violências. Isso porque grande parte delas, não possuem registro. É um conjunto de questões sociais brasileiras que não são tratadas de forma coletiva. Como reflexo do conservadorismo, não se reconhece o direito da população trans”, analisa a docente.
Intolerância que começa em casa e é estendida para a sociedade. Moema destaca que muitas dessas mulheres não são acolhidas nem mesmo pela família. “Dentro de toda essa fragilidade, a gente ainda vê a baixa escolaridade e a dificuldade de se inserir no mercado de trabalho formal. Para muitas, resta a prostituição como forma para sobrevivência mínima”, pontua.
A delegada-chefe adjunta Cyntia Carvalho e Silva, da Delegacia Especial de Repressão aos crimes por discriminação racial, religiosa ou por orientação sexual, ou contra a pessoa idosa ou com deficiência (Decrin), ressalta que nos últimos anos os serviços de segurança pública estão se adaptando para atender adequadamente essa parcela da população. Entre as mudanças, está a criação de um espaço de escuta especializado para denúncias na Decrin, além de apoio na Defensoria Pública que atende o LGBTQIA+.
“Desde 2019, adotamos um protocolo próprio que dá suporte nas investigações criminais envolvendo o público LGBTQIA+. Identificamos os tipos de violência que essa pessoa sofreu e buscamos a raiz de uma problemática. Para cada problema, temos que ter uma solução”, ressaltou a delegada. Nos casos de violência contra mulheres trans, ela insiste que é importante fazer a denúncia. “Busque sempre uma rede de apoio, converse. Desconfie sempre quando for sair com alguém que não conhece, compartilhe a sua localização com alguém conhecido”, enumera.
Além disso, existem os canais de denúncia da Polícia Militar (190), da Polícia Civil (197) e o Disque 100, portal de denúncias contra os direitos humanos. A secretaria de Segurança Pública do DF enfatiza a importância de registrar o boletim de ocorrência, pois os levantamentos estatísticos ajudam na atuação policial e na elaboração de políticas públicas direcionadas para a população LGBTQIA+.
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