Há uma semana de inaugurar o restaurante Dom Francisco, em julho de 1988, na 402 Sul, o proprietário Francisco Ansiliero foi procurado por uma família paraense, radicada na cidade, que pediu ao chef para preparar uma iguaria típica da terra natal para celebrar o aniversário do patriarca: pirarucu de casaca — uma receita em que se usa o peixe seco dessalgado com camadas de banana-da-terra. “Eu conhecia várias versões do prato”, lembra Francisco que, antes de se estabelecer na capital federal, viveu em Rondônia e lá aprendeu a preparar os peixes amazônicos.
“A família ficou feliz com a oportunidade de resgatar um sabor da infância e, desde então, eu coloquei o peixe no cardápio da casa”, destaca o chef, nascido em uma família italiana em Santa Catarina. Lá se vão 33 anos e nunca saiu do menu o gigante de escamas de água doce, que chega ter três metros e pesar mais de 250 quilos, e sempre é muito bem preparado na rede de restaurantes que leva o nome do fundador. Agora, como esse jornal revelou há duas semanas, pirarucu ganhou um festival só seu.
Depois de ter passado por São Paulo, em 2019, e pelo Rio de Janeiro no mês passado, é a vez do brasiliense saborear, em meia centena de lugares, o pirarucu que preserva a floresta junto aos rios onde populações ribeirinhas vivem da pesca sustentável do peixe. O Festival Gosto da Amazônia começa em 9 de setembro e vai até dia 26, em 50 bares e restaurantes do Distrito Federal.
“Quanto mais natural for o manejo de captura do pirarucu, melhor o sabor da carne do peixe”, decreta o mestre Francisco Ansiliero, que pilotou jantar de apresentação do evento à imprensa e marcou o retorno do chef às caçarolas. Ele estava em casa desde 19 de março de 2020, quando começou a quarentena. Para abrilhantar a noite, o restaurateur desenvolveu três criações: bolinho de pirarucu seco recheado com avium e falsa mostarda de frutas, raízes e tucupi; filé de pirarucu grelhado ao molho de arubé e bacuri e farofinha de farinha de Bragança com jambu; e filé de pirarucu grelhado com tucupi preto dos índios Wapichanas e musseline de mandioca.
Apoio ao setor
Participam da realização do festival em Brasília, o Mundo Mesa, plataforma paulistana de gastronomia, e o Sindhobar, cujo presidente viu com muito bons olhos a iniciativa, capaz de dar alento ao setor, perversamente sufocado nesta crise sanitária. “Desde o início da pandemia, o sindicato buscou opções e alternativas que pudessem amenizar os percalços e dificuldades dos empresários de restaurantes e bares ao longo dos últimos 18 meses”, afirma Jael Silva, para quem “o evento tem importância fundamental para a retomada do segmento de hospedagem e alimentação fora do lar e do turismo”.
O dirigente da entidade salientou a chance propiciada aos chefs de mostrar “a criatividade e genialidade nos pratos que cada um criará em apresentação única com o peixe pirarucu”. Outros apoiadores do Festival Gosto da Amazônia são ONGs que atuam na região, especialmente fruto de cooperação internacional como a USAID, dos Estados Unidos. São organizações envolvidas na promoção do pirarucu com vistas a gerar renda local e abrir caminho para a exportação do peixe para o mundo.
Versatilidade à mesa
Grelhado, assado, frito, em moqueca e até em uma versão do clássico inglês fish&chips (do chef Leandro Nunes no Le Parisien) com tiras de pirarucu empanadas em massa de cerveja — uma infinidade de receitas irão à mesa durante quase três semanas, quando setembro vier. A matéria prima é tão versátil que não tem quase nenhuma rejeição, agrada tanto carnívoros como vegetarianos.
Ainda que se esforce, o gourmet não vai poder, em 18 dias, provar todas as preparações. Veja alguns destaques como o lombo do peixe cozido a vácuo e coberto com uma releitura do molho hollandaise com ovos, manteiga e tucupi que o chef Thiago Paraíso serve no Saveur Bistrô, acompanhado de tomates tostados, couve-flor e crocante de pupunha. No Olivae, o chef Agenor Maia optou por assar barriga de pirarucu na brasa, finalizada com sal e pimenta e servida no contraste do sabor: purê de caramelo de gengibre e banana assada. A chef Mara Alcamim servirá, na sua Jantinha, o peixe fresco em cubos cozido no molho de moqueca e banana com arroz, farofa de cebola e vinagrete de tomate verde.
Com molho de azeitonas e batatas assadas vem o pirarucu confitado elaborado pelo chef Marcos Espinoza para servir no Taypá. Já no Sagrado Mar, o chef peruano preferiu servir o peixe assado com molho cremoso de limão e purê de banana. No japonês Sushi San, ele vem ao molho de saquê, ovas de massagô, toque de limão siciliano e farofa crocante com castanha-de-caju e gergelim torrado. Rapadura, um ícone na cozinha de Marcelo Petrarca, está derretida em caramelo para acompanhar o pirarucu em crosta de burrata e o aligot de batata-baroa oferecido no Bloco C.
Os dois chefs que mais venderem o prato do festival ganharão uma expedição na Amazônia no ano que vem, para conhecerem a pesca de manejo sustentável do peixe praticada pela comunidade ribeirinha e indígena.
Para conhecer as casas participantes e os pratos, cujos preços não estão pré-fixados (cada restaurante estipula o valor), basta acessar https://gostodaamazonia.com.br/festival/ap.
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