O futuro dos índios
Em 1968, ela chegou ao Rio de Janeiro, vinda de Salvador na categoria de ilustre desconhecida. Era quase uma menina e só obteve dos pais permissão para viajar porque veio acompanhada pelo irmão mais velho, Caetano Veloso. Chegou para substituir Nara Leão no espetáculo Opinião, trazida pelo diretor de teatro Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha.
Com instinto veloz de poeta, Reynaldo Jardim percebeu que Maria Bethânia encarnava a ternura, a fragilidade, a força, as tempestades e as turbulências daqueles tempos de revoluções por minuto.
Quando ela cantou Carcará, com uma voz rascante, Reynaldo sacou que, ao subir ao palco, Bethânia se transfigurava em entidade: “aquela quase menina, na arena do Opinião, parecia, pela potência dramática, postura corporal, força emotiva, uma deusa-mulher adultamente deslumbrante e sedutora”, registrou em depoimento no livro Sangradas escrituras.
Reynaldo escreveu um poema para ela e selou uma amizade com Bethânia. No DVD Caderno de poesias, Bethânia devolveu a homenagem, recitando o poema O que se odeia no índio, também de autoria de Reynaldo. Bethânia é uma índia urbana, e Reynaldo nunca deixou de ser um menino rebelde, não importa com qual idade. O poema ganha dramática atualidade com a votação pelo STF do chamado Marco Temporal, que definirá o futuro dos povos indígenas e o nosso. Ouçamos a voz de Reynaldo sobre os índios.
O que se odeia no índio
O que se odeia no índio
não é apenas o ocupado espaço
o que se odeia no índio
é o puro animal que nele habita
é a sua cor em bronze arquitetada;
a precisão com que a flecha voa
e abate a caça: o gesto largo
com que abraça o rio;
o gesto de afagar as penas e tecer o cocar
o que se odeia no índio
é o andar sem ruído;
a presteza segura de cada movimento; a eugenia
nítida do corpo erguido
contra a luz do Sol;
O que se odeia no índio é o Sol.
A árvore se odeia no índio.
O corpo a corpo com a vida
se odeia no índio.
O que se odeia no índio
é a permanência na infância;
e a liberdade aberta
se odeia no índio.
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