Jornal Correio Braziliense

URBANIZAÇÃO

Com mais 35 bairros regulares no DF, população aguarda escrituras e melhorias

Entre 2019 e este mês, DF teve 35 setores habitacionais irregulares legalizados por meio de decretos do Executivo. Quantidade é superior à de 2015 a 2018. Para especialista, falta de planejamento ocupacional afeta cofres públicos e leva a renúncias fiscais

O processo de regularização fundiária no Distrito Federal aumentou nos últimos anos. Entre 2019 e este mês, oito regiões administrativas tiveram 35 setores habitacionais legalizados. Nesses bairros, moram mais de 80,4 mil pessoas. A quantidade de decretos baixados com esse fim subiu 52% no período, em comparação ao verificado entre 2015 e 2018. Os dados foram antecipados ao Correio pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh). No entanto, a pasta não tem números consolidados de gestões anteriores.

A aprovação da regularização fundiária leva esperança aos moradores das cidades. Para a população, o processo antecede a adoção de medidas governamentais que melhorem a infraestrutura das áreas beneficiadas. No Setor Primavera, em Taguatinga, o decreto de regulamentação saiu em 22 de junho. A publicação do documento é a última fase antes dos procedimentos necessários para registro dos imóveis em cartório. A ocupação da região começou nos anos 1990. Hoje, a área de 60,5 hectares — equivalentes a 84 campos de futebol — tem 5,3 mil habitantes e pouco mais de 1 mil lotes.

Quando a reportagem esteve no bairro, o sol de quase meio-dia se refletia em várias poças d’água espalhadas pelas ruas da principal avenida do setor, ainda sem asfalto. O fluxo que saía de fossas descia pelas laterais das vias e se acumulava nos buracos. O nome Primavera contrastava com o clima seco do Distrito Federal, típico deste mês. Mas um detalhe da estação do ano que dá nome ao local e, de fato, combinava com os moradores dali era o calor: a população é receptiva e atenciosa.

Ações paliativas

Os habitantes do Setor Primavera vivem a expectativa de dias melhores, para compensar a poluição da fase de estiagem e a lama do período de precipitações. Morador da região há 14 anos, o aposentado e comerciante José de Arimateia, 74 anos, tem um bazar beneficente na principal rua do bairro. Ao falar sobre a regularização, ele não esconde a alegria. “Chego a me emocionar. Aqui é um excelente lugar. Só está ruim porque não temos acesso à infraestrutura. Quando chove, a água fica na altura da calçada. Arrasta gente, cachorro, carro, o que estiver pela frente. É perigoso. Quando não é isso, estamos engolindo poeira”, descreve José.

Carlos Magno Rabelo, 50, é líder comunitário do Setor Primavera desde 2013, onde mora há 25 anos. “A regularização era uma luta de quase duas décadas. É duro aguardar todos esses anos por elementos básicos”, destaca. Ele lembra que a população começou a ter abastecimento de energia elétrica só em 2015: “(A eletricidade) era muito precária. Não tínhamos iluminação pública e não dava para enxergar nada entre um poste e outro. Agora, é de qualidade. A água potável canalizada veio com esse serviço. Mas o problema do esgoto continua. As fossas não são suficientes, e o fluxo acaba transbordando”, lamenta.

O líder comunitário conta que a situação foi pior e que teve de adotar ações paliativas para facilitar a circulação, usando máquinas de terraplanagem para compactar e planificar o terreno. “Fica quase parecendo asfalto. Antes, era intransitável. Eu sempre esbarrei em dificuldades burocráticas (quando cobrava melhorias do poder público): ‘Não podemos fazer porque o setor não é regularizado’”, completa Carlos Magno, em referência às respostas que recebia dos órgãos competentes. “A partir da regularização, calculo que, em dois anos, no máximo, essas ruas todas estarão asfaltadas”, torce.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - José de Arimateia mora no Setor Primavera há 14 anos: poeira e lama são parte da realidade

Aprovação

Entre 2015 e 2018, o Governo do Distrito Federal (GDF) publicou 23 decretos de regulamentação fundiária, que beneficiaram 134 mil pessoas. A área de 15,7 milhões de metros quadrados contemplados — equivalentes a cerca de 1,9 mil campos de futebol — incluía 25 mil lotes. “O processo tem dois momentos. O primeiro é de reconhecimento que uma área é passível de regularização, o que é feito por meio da lei, com inclusão (da região) no Plano Diretor de Ordenamento Territorial”, explica o chefe da Seduh, Mateus de Oliveira. “Depois, começa a etapa de aprovação do projeto em si”, acrescenta.

Para o secretário, quanto mais o Estado demora na aprovação das propostas, mais se agravam os danos urbanísticos e ambientais nas regiões irregulares. “A (garantia de uma) infraestrutura definitiva só é possível depois da aprovação dos projetos de regularização. O resultado não é só a escritura, mas, também, a drenagem de águas pluviais, (a oferta de um) sistema viário efetivo e completo, fornecimento de asfalto, energia elétrica e água, além da destinação e da construção de equipamentos públicos”, completa Mateus de Oliveira.

O responsável pela Seduh reconhece que o ideal é ter um movimento urbano planejado, com ações governamentais que evitem a instalação desordenada. “A regularização é necessária nos casos em que as ocupações se consolidaram, mas ela deve ser a exceção. A regra é a aprovação de bairros que nasceram planejados, com todos os estudos urbanísticos e ambientais (necessários)”, pontua. Para evitar a compra de imóveis em áreas ilegais, o chefe da pasta sugere conferir, de antemão, o site da secretaria para esse fim: portaldaregularizacao.seduh.df.gov.br. “Se a pessoa não encontrar o endereço, é porque ele não está em área de regulamentação. Pela plataforma, é possível saber se o processo está previsto e em qual etapa se encontra”, completa o secretário.