A crônica do último sábado, sobre como namorar um canibal, tomou proporções maiores do que eu imaginava. Seja por, talvez, minha vocação de conselheiro amoroso, seja por falar de temas polêmicos (ha-ha). Ou pelos dois motivos, a considerar a sugestão de um leitor que recebi nas redes sociais: como namorar uma bolsonarista?
Ele relatou que se considera mais de esquerda, apesar de ter votado nulo nas últimas eleições. Tudo bem, jovem padawan, esse é um fenômeno que tem acontecido com certa frequência: o eleitor de esquerda que votou nulo em 2018. Mas, vamos lá. Como ela não é uma canibal, continuarei sendo seu Hitch, ou como dizem na Sessão da Tarde: “Um conselheiro amoroso da pesada”.
Você está seguro de sua oposição ao governo, pelo que percebi. A julgar pelo histórico familiar dela, de onde são os pais da guria, que tem sobrenome difícil de se pronunciar, e a ocupação do teu sogro, percebe-se que o senhorito está em uma enrascada. Ou não, se tiveres paciência e seguires meus conselhos.
Não falastes muitos detalhes de ti, mas sei que es universitário e de humanas, né? Fumas ou já fumastes cânhamo, djamba, fumo de Angola? Pode ser um problema, caso o sogrão sinta o cheiro em tua roupa. Na escala de 1 a 5, sendo um para negro e cinco para branco descendente de europeu: onde tu estás? Se a resposta for um problema para a família dela, sai dessa, guri. Pelo teu logradouro, não pareces morar na periferia da periferia. Mas ela mora em um endereço de pessoas bem abastadas.
Vamos lá. Tua preocupação era conhecer o pai dessa guria, né? Procure saber se ele torce para o time azul ou o vermelho de onde eles são, e não estou falando da Alemanha, apesar da tua camisa do Bayern. Futebol pode ser um tema em comum para quebrar o gelo com o sogrão. E tu não me vai falar de Flamengo com ele, por favor. Se ela valer a pena, vai fundo e se informa, guri.
Mas quão bolsonarista é essa guria? Ela usa máscara? Tomou vacina? Ela acredita que a terra é redonda? Caso positivo, temos meio caminho andado. Pelo fato de serem jovens, o desafio não será tão complicado. O problema é convencer senhores ultrapassados e ressentidos de que a ciência, a democracia e o respeito funcionam.
Fale para ela que esse Brasilzão é muito grande, e que tem gente que pensa como o pai dela até nos confins do Norte e do Nordeste, infelizmente. Mas que há muita gente que pensa o contrário, inclusive na terra do pai dela, felizmente. E que ninguém tem 100% de razão, que tudo é passageiro, menos o motorista e o cobrador. Aliás, convide ela para dar um rolê de busão pela cidade. Ela já andou de ônibus alguma vez na vida?
Vocês não terão muita bagagem para discutir ou entender o que se passa atualmente neste país (nem eu acho que tenho, para falar a verdade). Mas escutem um ao outro, se respeitem e cresçam juntos, se for o caso. Não deixe o sogrão te intimidar, seja quem você é. E questione tudo. Questione sempre. Informe-se, não caia em contos de WhatsApp e compartilhe informação confiável, seja a do Correio, ou seja a de outros veículos de comunicação que resistem ao tempo e a governos. Fale isso para ela. Estamos passando por uma pandemia e por tempos sombrios neste país. Se o amor ainda prevalecer daqui a alguns anos e continuarem juntos, convide-me para o casamento de vocês. E deixa o sogrão comandar a churrasqueira e falar bobagens. Porque, no fim, tudo passa. E as pessoas mudam, por mais que tentem esconder tal fato, por orgulho ou vergonha. Mas, sempre esteja atento, seja bom, pense nos outros e defenda a liberdade. Tudo passará, o sogrão irá se aposentar e fará churrasco para vocês. Resposta: namore uma bolsonarista, desde que tu sigas meus conselhos. Compartilhe o respeito ao próximo, a empatia, a liberdade e o amor. E esta humilde crônica.
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