Crônica da Cidade

por Severino Francisco
postado em 05/09/2021 00:15

Pessoa de bem

Uma das coisas que considerei mais assustadoras na entrevista que Sérgio Reis, um dos organizadores do ato antidemocrático do 7 de Setembro foi a declaração de que ele é “uma pessoa do bem.”

Caetano Veloso afirmou que a música breganeja e o funk carioca era a nova tropicália. Com toda a devoção que tenho por Caetano, permitam-me discrepar. A música breganeja é de uma pobreza musical e poética constrangedoras. Acho inventivas as sonoridades criadas pelo funk, mas as letras são de uma poesia que degrada as mulheres de uma maneira revoltante.

Além disso, essas duas vertentes atuam como monoculturas que destroem a biodiversidade musical brasileira. Exercem o mesmo efeito que a soja. Em vez de nova tropicália, a música breganeja e o funk carioca constituem a nova mediocrália.

Zé Ramalho retirou a participação que faria no disco de Sérgio Reis, na faixa Admirável Gado Novo, sob o argumento que, diante dos fatos, “não faria mais sentido.” É certeira a justificativa. Zé viveu todo o drama do regime de exceção e traduziu o sentimento em canções contundentes e desesperadas: “Disparo balas de canhão/é inútil, pois existe um grão-vizir.”

Comprar a ideia falaciosa de que o presidente não consegue governar porque é impedido pelo STF é deixar-se manipular e se envolver por uma servidão voluntária. Quem pediu a prisão de alguns líderes e articuladores do movimento antidemocrático foi a Procuradoria-Geral da República. No caso, o STF cumpriu estritamente e exemplarmente o que reza a Constituição.

O presidente ataca o STF porque não pode alugar a consciência de seus integrantes, como faz com o Centrão na Câmara dos Deputados, que se presta ao papel indigno de puxadinho do Palácio do Planalto. O que é mais assustador em Sérgio Reis é que ele se apresenta na condição de “pessoa do bem”. Não, quem ameaça autoridades, estimula a violências, articula ou organiza uma manifestação para invadir os prédios de instituições democráticas e retirar autoridades com truculência não é uma “pessoa do bem”. É alguém que comete um crime contra a democracia, não importa se em nome da liberdade de expressão ou em nome de Jesus.

Se lhe faltam ideais, se quer ser um patriota, de verdade, lute contra o desmatamento das nossas florestas. Zé Ramalho fez muito bem em preservar a dignidade da canção Admirável gado novo e não deixar que ela fosse corrompida pelos extremistas. Ê vida de gado, povo marcado, povo feliz.

Em vez de ameaçar o STF, o nosso presidente deveria dar um ultimato no preço estratosférico da gasolina, na expansão das mortes pela covid-19, na falta de vacinas, nos negacionistas que complicam ainda mais o combate à pandemia, nos indícios de corrupção no Ministério da Saúde, na crise hídrica, na inflação dos alimentos, no aumento desmedido das contas de luz e na falta de comida no prato da maioria dos brasileiros.

Mas, como lhe falta coragem, competência e vontade política, sua excelência acena com o voto impresso, o estímulo para a compra de um fuzil, a cloroquina e as agressões ao STF. E o mais grave é que as mentiras propagadas milhares de vezes pelos robôs não se tornam verdades, mas enganam muitos incautos.

Que o GDF proteja os monumentos de Brasília tombados como patrimônio cultural da humanidade durante os atos da próxima terça-feira. E que sejam aplicados os remédios constitucionais não farmacológicos aos que ameaçarem a democracia.

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