Crônica da Cidade

por Mariana Niederauer
postado em 06/09/2021 00:11

Sumiram na imensidão do pilotis

O céu azul-celeste sem igual se impunha na janela do apartamento e entre os cobogós, em convite irrecusável para um passeio lá fora. O primeiro passo na calçada, porém, mostrava que a escolha, antes tão óbvia, talvez merecesse ponderação. Em meio aos blocos de retas sóbrias, cada passo da caminhada parecia exigir um esforço maior do que o normal para mover pernas, tronco e braços em movimentos que permitissem a locomoção por poucos metros que fosse.

O calor imprimia uma força tão grande sobre a pele que cada camada parecia arder em tempos diferentes, vibrando, uma a uma, com a potência dos raios solares. A boca seca, que batom ou regenerador labial nenhum dão conta, chegava a clamar por uma gota d’água. Mas nem mesmo a ingestão de litros amenizaria o incômodo dos lábios rachados. Mês de agosto em Brasília não é para os fracos. Quem topa se entregar aos encantos da capital precisa também encarar as agruras de viver no Planalto Central. É do jogo.

O horário ainda estava dentro do aceitável, não passava das 10h. Éramos nós três passeando pela superquadra, essas coisas de Brasília. Parada para bater uma bola na quadra de esportes, pedalar mais um pouco na bicicleta nova, cumprimentar um ou outro vizinho pelo trajeto. Os “bom dias” ligeiros e um tanto tristes desses tempos de distanciamento social.

Sem fôlego para acompanhar o pique infantil, fiquei para trás. O vão livre do pilotis a atraiu, e o chamado para uma corrida de ponta a ponta era inevitável. Aos 2 anos de idade a gente vê um corredorzão desses não como uma edificação, mas como uma oportunidade. De ser livre até pelo menos a ponta do prédio. De soltar o riso, de testar o eco. De perder o fôlego. De brincar de pique. De convidar o pai a ser criança outra vez.

E lá se foram eles. Sumiram na imensidão do pilotis. Fiquei vagando, lá de longe, de um lado a outro da entrada que dava acesso a uma das tais prumadas do bloco. Pendia. Para um lado. E para o outro. Como parte daqueles relógios antigos que a gente hoje só vê em antiquários ou nas mais assustadoras cenas dos filmes de terror e suspense. E nada de aparecerem.

Haviam encontrado algo para entreter justamente naquela faixa do meio, a que não fica visível de qualquer uma das pontas. O bloco era duplo, um colado no outro, aumentando a sensação de infinito. Passados alguns minutos, lá estavam os dois, mais libertos e unidos do que nunca. Nessa imensidão, a gente só se perde em pensamento.

Brasília é abraço de liberdade. Não cabe em outra vocação.

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