Em discussão desde 2019, a revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot) entra na fase final de formatação a partir de outubro. Entre os principais desafios levantados por especialistas e pelo Governo do Distrito Federal estão sanar o deficit habitacional, descentralizar as oportunidades de emprego e renda e promover a mobilidade urbana sustentável e acessível. O Correio teve acesso, com exclusividade, ao estudo técnico da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) que traz o diagnóstico inicial com as demandas territoriais do DF.
De acordo com o documento, dispersar a atividade econômica para além do eixo Plano Piloto é um dos caminhos possíveis para garantir mais pessoas no mercado de trabalho e diminuir a pressão por moradia na região. Com a geração de novas áreas de trabalho, a procura por habitação acompanhará os novos núcleos. Conhecer esse cenário permite orientar a política habitacional do DF, cujo deficit é composto por quatro componentes: precariedade, adensamento, ônus e coabitação (veja quadro).
“A criação de áreas de emprego e renda e de novos espaços de trabalho precisa ser um dos focos do Pdot. Com isso, há possibilidade de abrir novos locais de habitação. Não se pode criar áreas de emprego e renda longe de onde as pessoas moram. Muitas pessoas acabam optando por morar em um lugar não tão bom e com aluguel mais caro, mas central e próximo a serviços e oportunidades”, reflete a secretária executiva de Planejamento e Preservação da Seduh, Giselle Moll.
O professor de urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Benny Schvarsberg destaca que, apesar da descentralização ter sido proposta na última revisão do Pdot, em 2009, o projeto ficou no papel. “O plano vigente propôs um conjunto de novas centralidades, mas não foram implementados, porque não houve políticas que priorizassem a implantação dessa estratégia. O DF é extremamente desigual e com segregação socioespacial, basta ver a distribuição de renda e de emprego nas áreas centrais, além de melhores comércios e serviços”, aponta o doutor em sociologia urbana.
Edilza Fernandes, 41 anos, mora em Santa Maria e se desloca diariamente para o Plano Piloto, onde trabalha como técnica em secretariado, na Esplanada dos Ministérios. Ela gasta, em média, 2h40 no trajeto feito de transporte coletivo. “Pego o circular todos os dias em direção ao BRT, depois o ônibus BRT—linha expresso Rodoviária —, onde pego circular 108 para Esplanada dos Ministérios”, descreve.
Oferta habitacional
O urbanista Benny Schvarsberg também defende melhorias na oferta habitacional como forma de diminuir a especulação imobiliária. “É preciso haver política de oferta de áreas para habitação, mas não segregadas entre pobres e ricos e sim com bairros onde haja lugar para todas as faixas de renda, com combinação de usos que possam garantir direito ao centro da cidade. É preciso democratizar o centro de Brasília e desconcentrar as qualidades e os serviços de infraestrutura”, sugere o pesquisador.
Para o professor da pós-graduação em transportes da UnB Paulo César Marques da Silva, não é possível pensar o ordenamento territorial sem considerar o planejamento locomotivo da população. “São questões interligadas. A mobilidade urbana não pode ser planejada depois ,para atender certa demanda urbanística, nem as questões urbanas podem ser feitas posteriormente. Precisam andar juntas. O sistema de transportes demanda e induz à ocupação de territórios. É um risco pensar no planejamento da mobilidade depois da tomada de espaços”, analisa o especialista.
“Há uma grande preocupação dos gestores com a integração dos meios de transporte, mas, no nível da tomada de decisões, nem sempre ela é colocada em prática. O Pdot deveria caminhar junto com a revisão do Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade (PDTU)”, destaca. A última revisão do PDTU foi feita em 2011.
A secretária Giselle Moll confirma que o cenário ideal seria o da integração das políticas de habitação e de mobilidade. “Para que as áreas de desenvolvimento econômico gerem emprego e renda; é necessário que os locais residenciais fiquem próximos aos eixos de transporte coletivo”, afirma. Ela explica que a revisão vai balizar as políticas públicas para os próximos dez anos. “Precisamos ter políticas que continuem refletindo as necessidades da população, por isso a participação popular é tão importante, para que possamos criar diretrizes de acordo com as necessidades das pessoas”, convida a secretária.
Adensamento
Embora defenda a descentralização do Plano Piloto, o professor Benny Schvarsberg esclarece que não se trata de criar núcleos de adensamento populacional, mas o desenvolvimento das áreas já existentes. Ele defende que Brasília é suficientemente esparramada e que não há necessidade de mais crescimento urbano horizontal. “Precisamos preservar córregos, mananciais e fundos de vale para uma capacidade hídrica maior. O novo Pdot deve encarar um adensamento responsável e sustentável. As áreas centrais do DF precisam ser melhor adensadas, com arquitetura de qualidade, incluindo paisagismo e sustentabilidade”, defende o urbanista.
Por meio da realização de sete oficinas temáticas, com a participação da população em modelo híbrido devido à pandemia da covid-19, a Seduh vai concluir a etapa de diagnóstico do plano. A fase antecede a formatação do Pdot em si, por meio de propostas, e será intercalada por debates e audiências públicas com gestores governamentais, legisladores, sociedade civil e pesquisadores.
» Participe
Oficinas temáticas de discussão do Pdot
» 2 de outubro (manhã):
Gama, Santa Maria, Recanto das Emas e Riacho Fundo 2
» 9 de outubro (manhã):
Taguatinga, Brazlândia, Ceilândia, Samambaia e Sol Nascente/
Pôr do Sol
» 9 de outubro (tarde):
Núcleo Bandeirante, Guará, Riacho Fundo 1, Águas Claras, SCIA/
Estrutural, SIA, Vicente Pires e Arniqueira
» 16 de outubro (manhã):
Paranoá, São Sebastião, Jardim Botânico e Itapoã
» 16 de outubro (tarde):
Planaltina, Sobradinho, Sobradinho 2 e Fercal
» 23 de outubro (manhã):
Lago Sul, Lago Norte, Varjão, Park Way e Plano Piloto
» 23 de outubro (tarde):
Plano Piloto, Cruzeiro, Candangolândia e Sudoeste/Octogonal
Participação presencial (limitada) e remota. Acesse: http://www.pdot.seduh.df.gov.br/
» Pdot
» O plano diretor tem como objetivo orientar o desenvolvimento territorial do DF para a próxima década, considerando a totalidade do território e de cada região administrativa. O Pdot vigente foi aprovado em 2009 e sofreu pequenas revisões jurídicas em 2012. De acordo com a legislação do DF, o plano precisa ser revisado a cada 10 anos. A revisão atual começou a ser debatida publicamente em abril de 2019.
Viagens por transportes no DF
Automóvel: 50%
Ônibus, van, micro-ônibus, vizinhança: 40%
Transporte escolar: 4%
Moto: 2%
Metrô: 2%
Transporte fretado: 2%
Fonte: Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade, 2011
Quatro perguntas para Mateus de Oliveira, secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação
Quais são os desafios a serem enfrentados na construção do Pdot para a próxima década?
Destaco como principais o planejamento do crescimento e o desenvolvimento sustentável da população urbana do DF; a discussão de como combater o crescimento desordenado e implementar ações de regularização fundiária mais célere; o aumento da densidade populacional nas áreas que já possuem estrutura instalada, para coibir maior espraiamento; proteção de áreas ambientais sensíveis à recarga de aquíferos; estimular maiores investimentos comerciais privados para gerar empregos em regiões mais afastadas da área central de Brasília; preservar áreas rurais; e incentivar a produção agrícola.
O ponto de partida é o relatório técnico que coloca uma lupa sobre o território. Uma das questões videntes é o déficit habitacional do Distrito Federal. Podemos inferir que o DF terá novos bairros?
Sim, sem dúvida nenhuma. O DF precisa de novos bairros, não só públicos, mas de iniciativa de empresas privadas. A criação de novos bairros é a regra, a regularização fundiária é a exceção. No entanto, devemos priorizar o crescimento de novos bairros em áreas que já são urbanas, para estimular a ocupação em locais que já possuem infraestrutura.
Do ponto de vista de desenvolvimento econômico, áreas para indústria, bens e serviços, o que o relatório revela sobre esses setores hoje e, consequentemente, deve ser um direcionamento para os debates que se iniciam?
Há grande concentração dos postos de trabalho na área central e, ao contrário, altas taxas habitacionais afastadas da área central. Isso leva ao movimento pendular (pessoas se deslocando cedo para o centro e retornando ao fim do dia para a própria região), agravando a situação do trânsito, principalmente. Precisamos discutir formas de estimular a instalação de empresas nas RAs fora da área central, para permitir que pessoas trabalhem nas próprias regiões onde vivem.
Como o governo vai trabalhar para construir uma proposta alinhada à Agenda 2030, que preza pelo desenvolvimento sustentável das cidades e a pressão política e econômica?
Todas as propostas precisam ser de iniciativa do Executivo, como determina a legislação, e exigem estudos técnicos e ampla discussão com a sociedade. Estamos implantando ferramentas de transparência ativa das informações e divulgando os requerimentos de entidades, proprietários e deputados em relação ao plano. Temos o site específico do Pdot, com acesso a todas as informações que estão sendo produzidas.
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