A marcha das mulheres
Na última semana, a Esplanada dos Ministérios foi palco da mais linda manifestação registrada no mais democrático espaço da capital do país. Cerca de cinco mil mulheres indígenas de múltiplas etnias invadiram Brasília para um protesto, que é uma festa de ritmo, de gritos, de cânticos, de pintura corporal e de dança.
Não estava previsto no Plano Piloto de Lucio Costa, mas a verdade é que a presença multicolorida das mulheres indígenas estabelece uma sintonia perfeita e um magnífico efeito plástico com os monumentos e a espacialidade da arquitetura modernista.
O que está em jogo é uma questão de vida ou morte: a votação pelo STF da tese do Marco Temporal, defendida pelo agronegócio. A vitória da tese do Marco Temporal significará um autêntico etnocídio, como bem disse o ministro Edson Fachin.
Por isso, o mundo está de olho no julgamento do STF e nas manifestações dos índios em Brasília, que estão correndo o planeta. Os índios são personagens estratégicos na luta contra o aquecimento global.
Por quê as mulheres resolveram enfrentar uma verdadeira via crucis para chegar até Brasília? Porque, se todos os povos indígenas, independentemente de gênero, estão ameaçados, as mulheres são ainda mais vulneráveis.
Durante o atual governo, os índios têm sido alvos de uma violência desmedida dos garimpeiros, madeireiros e grileiros, que invadem as suas terras e deixam um rastro de destruição. Mas as mulheres indígenas sofrem com o ato de maior covardia: o estupro. Por isso, elas resolveram se pintar, tocar, gritar e dançar. É uma maneira se se conectar com os deuses e se energizar para a luta.
Manifestam-se sempre com alegria e vibração. Assisti a um vídeo maravilhoso, produzido pelo Instituto Socioambiental, sobre a primeira marcha das mulheres indígenas em Brasília. Lá, elas soltam o grito de socorro e de independência: “O primeiro golpe ocorreu em 1500, somos mulheres parteiras, benzedeiras, doutoras. Nós, mulheres indígenas politizadas, fazemos o enfrentamento ainda que não sejamos belas ou recatadas”, brada Célia Xakriabá.
E, outra índia, Juvana Xakriabá, emenda: “A gente vivencia um momento histórico em que as nossas mulheres guerreiras saem de nossos territórios em defesa dos nossos direitos. O território para nós é a base de tudo.”
Sonia Guajajara explica o impulso de viajar longas distâncias para chegar até Brasília: “A conjuntura política é totalmente violenta para nós. É sentindo essa dor, essa pressão, que as mulheres chegam a Brasília para se colocar na linha de frente do movimento em defesa dos nossos povos e do Brasil.”
Em cima de um caminhão de som, uma índia não identificada berra a plenos pulmões: “Perdemos as nossas línguas com a invasão do país. Mas eu sou povo originário desta terra. Estou aqui para gritar que existo!”
Angélica Domingos revela que as mulheres indígenas são portadoras do sagrado: “Tentaram apagar a força e o sagrado que a mulher indígena tem. Nós trazemos esse sagrado.” Uma índia, que não consegui identificar, constata: “Nós não temos dignidade diante do Estado brasileiro”.
Célia Tupinambá chama a atenção para a conexão com a natureza: O nosso espírito é natureza. São os nossos encantados. Nós somos os guardiões das matas. Nós conseguimos ouvir que a natureza está pedindo socorro. Para nós, todo dia é dia de luta”. As mulheres índias deram uma lição de bravura, de dignidade, de mobilização e de cidadania a todos nós brasileiros.
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