Nestes dias tão turbulentos, a coluna conseguiu mais uma entrevista mediúnica exclusiva com Clarice Lispector. Fala, musa!
Clarice, escrever é destino?
Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou a minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever e nasci para criar meus filhos. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.
Qual o lugar do amor em sua vida?
Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e, às vezes, receber amor em troca.
Por que você sempre escrevia na sala com uma máquina no colo?
Eu não queria que meus filhos sentissem a mãe-escritora, mulher ocupada, sem tempo para eles. Eles, pequenos, podiam me interromper a qualquer momento. E como interrompiam.
O que aconteceu quando você se
encontrou com a esfinge no Egito?
Olhei para ela e não a decifrei. Mas, em compensação, ela também não me decifrou.
Você foi feliz?
Ser feliz é para conseguir o quê? É para conseguir um final feliz? O que vem depois do fim? Só concebo uma felicidade inesperada, uma felicidade do instante, uma felicidade clandestina.
Por que você gostava tanto de bichos?
Somente quem teme a própria animalidade não gosta de bichos. Eu adoro. Talvez seja porque sou de sagitário, metade bicho.
Por que você coloca tudo em um plano de falta e de pobreza?
Quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial.
Você nasceu na Ucrânia, mas veio para o Brasil quando tinha poucos meses de vida. Afinal, você se considera russa ou brasileira?
Evidentemente, sou uma brasileira. E não admito que se pense o contrário. Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de amor.
Você foi considerada uma pessoa alienada. Isso procede?
Minha ideia — veja o absurdo da adolescência — era estudar advocacia para reformar as penitenciárias. Eu cuido do mundo, eu sou a mãe do mundo, a minha responsabilidade é grande.
A inspiração é uma forma de loucura?
Inspiração não é loucura; é Deus.
Que defeito gostaria de eliminar em você?
Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso — nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
Mas não existem defeitos que prejudicam?
Os que levam uma vida com mornidão e covardia serão punidos. O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma.
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