Boa hora
Nunca havia ouvido o termo “boa hora” antes de ficar grávida pela primeira vez. À medida que a barriga ia crescendo, passei a escutar cada vez mais a expressão, e a entendê-la. Depois de dar à luz então, tudo parece se encaixar, e o desejo genuíno de que corra tudo bem não poderia fazer mais sentido.
No percurso até tornar-se mãe, o parto é muitas vezes apenas um detalhe. A angústia e a ansiedade das últimas semanas — ou, para algumas mulheres, o aviso de uma chegada inesperada e bem antes da hora —, as primeiras horas de vida do bebê, as noites sem dormir, a amamentação, os hormônios em excesso ou em falta... Tudo isso mais a transformação que a descoberta do sentimento sem igual por outro ser humano traz.
Gestar é mais que parir, e desejar a uma mãe grávida uma boa hora é certamente a melhor forma de estimar, em poucas palavras, o que de melhor pode acontecer com ela nos meses que seguirão.
Desconheço a origem da expressão e, numa busca rápida pela web, tampouco pude desvendar o mistério. Precisaria, provavelmente, pesquisar mais a fundo, fazer um trabalho investigativo, ouvir avós, tias, parteiras, doulas, gente que provavelmente cresceu ouvindo e usando as duas palavras mágicas com naturalidade.
Nesses últimos meses, em que vivemos imersos numa realidade dolorosa e revoltante, talvez essa fosse a melhor forma de nos cumprimentarmos por aí. Grávidos ou não, todos merecemos em algum momento essa boa hora.
Pensar no número de pessoas queridas e brilhantes que perdemos é sufocante. Seja pelo vírus que assolou o mundo, seja por outras doenças ou chagas que nos assombram nesse período desafiador, lembrar dos que partiram é quase que inevitável. Ao ligar a televisão, ler um livro ou uma reportagem, olhar uma obra de arte na parede, acabamos recordando as perdas.
Da devastadora notícia da morte de Paulo Gustavo, ator novo e talentoso, à partida de Tarcísio Meira e Paulo José, com apenas algumas horas de diferença. Apenas esta semana, perdemos, ainda, Luis Gustavo e o cartunista Ota. Para Brasília — e a cultura, e a literatura, e a academia —, ficou também a tristeza da partida de Lucília Garcez.
Tive o privilégio de entrevistá-la uma vez, em breve conversa sobre a importância do domínio da língua portuguesa para a carreira — pauta da editora do caderno Trabalho & Formação Profissional, Ana Sá, uma de suas admiradoras. A língua aprimora características cognitivas importantes, como a capacidade de formular hipóteses e de fazer avaliações, ensinou a professora Lucília. “Tudo isso é construído no desenvolvimento da linguagem.”
Agora que minha hora está chegando pela segunda vez, desejo a todos, e principalmente àqueles em luto pela perda dessas pessoas tão queridas, que passem uma boa hora.
Até breve!
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