VIOLÊNCIA

Polícia deve ouvir novamente vítima de estupro coletivo em Águas Lindas (GO)

Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) assumiu o caso e pretende, ainda esta semana, ouvir a jovem que acusa seis homens — incluindo um subtenente da PMDF — de violentá-la sexualmente. Ao Correio, vítima deu detalhes do crime

Darcianne Diogo
Samara Schwingel
postado em 14/10/2021 05:49 / atualizado em 14/10/2021 05:50
 (crédito: Editoria de Arte/CB)
(crédito: Editoria de Arte/CB)

A Polícia Civil de Goiás (PCGO) busca identificar mais pessoas que estariam envolvidas no estupro coletivo que teria ocorrido durante uma festa em Águas Lindas (GO), no último fim de semana. A Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) da cidade assumiu o caso na quarta-feira (13/10) e pretende ouvir, mais uma vez, ainda esta semana, a vítima que denunciou o crime. O objetivo é esclarecer alguns pontos do primeiro depoimento.

Até o momento, três homens foram presos em flagrante acusados de participarem do estupro — um deles é o subtenente do Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA), da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Irineu Marques Dias, 44 anos, afastado do cargo. Thiago de Castro Muniz, 36, e Daniel Marques Dias, 37, irmão do subtenente e dono da casa onde ocorreu a festa, também foram presos. A vítima, uma mulher de 25, narrou ao Correio as lembranças do dia. “Eu só queria que aquele terror acabasse”, disse.

O estupro coletivo teria durado, ao menos, cinco horas, até a vítima fugir da casa. Segundo a própria jovem, ela soube da festa por meio de um amigo com quem foi ao evento. A casa, com piscina, lotou. A festa, que tinha bebidas e narguilé, começou na última sexta-feira e não teria hora para acabar. “Minha irmã chegou a ir também, mas ela e meu amigo foram embora antes e eu resolvi ficar, já que no outro dia aproveitaria para tomar banho na piscina”, relatou a jovem.

Por volta das 3h de sábado, ela afirma que conversou com duas convidadas para saber onde poderia dormir. Segundo ela, as jovens a levaram até um quarto, fecharam a porta e saíram. Então, o subtenente da PMDF Irineu teria invadido o cômodo, sacado a arma e colocado na cama enquanto arrancava as roupas da convidada. “Tentei não demonstrar pavor e segurei meu choro, porque eles poderiam me matar”, disse.

Apesar de tentar transparecer calma, ela confessa que tinha medo. Quando o militar teria saído do quarto, a jovem diz que outros dois homens entraram e também a estupraram. Eles teriam a obrigado a fazer sexo oral com tentativa de sexo anal. Além deles, outros três homens teriam entrado no quarto e a estuprado.

A mulher relata que, enquanto os abusos ocorriam, um dos seis suspeitos ficava da janela observando o estupro. “Ele cruzou os braços em cima da bancada e ficou olhando. Ele viu que eu estava tremendo, com os olhos cheios de lágrimas, mas ficou só olhando e depois me estuprou”, contou.

Por volta das 7h, os acusados abriram a porta e saíram. Ainda fingindo estar tranquila, a mulher relata que não encontrou as roupas e vestiu uma blusa usada pelo policial militar. Ao sair do quarto, a vítima se deparou com as duas mulheres que a levaram até o cômodo. Ela não tem dúvida de que a dupla está envolvida nos abusos. “Elas me olharam, viram minha cara de desespero, mas desviaram o olhar e fingiram que não me conheciam. Senti que foi algo planejado”, relatou. No portão, os homens ofereceram carona para levar a vítima para casa. “Quando um deles virou as costas para pegar o celular, eu corri e saí pedindo ajuda”, complementa a jovem. “Só quero Justiça. Não consigo comer, durmo assustada e com medo de tudo. Do que possa acontecer”, clama.

Defesas

Ao Correio, o advogado da jovem, Bruno de Oliveira, comentou o caso. “Alguns dos autores foram presos em flagrante, tendo sido reconhecidos pela vítima. No caso em apreço, trata-se de estupro consumado, com causa de aumento de pena em razão da multiplicidade de agentes do crime. A pena pode ultrapassar os 17 anos de reclusão em regime fechado, sem prejuízo de eventual processo administrativo, no caso de servidores públicos, e ação indenizatória por todos os danos morais suportados”, frisou.

Em nota, a defesa do subtenente Irineu negou as acusações e afirmou que o militar “sofre as consequências da acusação infundada. Ele estava há pelo menos 50km de distância, em seu local de trabalho, chegando ao local dos fatos somente pela manhã, conforme será comprovado às autoridades competentes em momento oportuno”, diz o texto.

A defesa alega, ainda, que os acusados não passaram por audiência de custódia quando da conversão da prisão preventiva, conforme determina o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que, portanto, afirmou que será interposto as medidas judiciais cabíveis. A PMDF também se manifestou e ressaltou que aguarda a conclusão do inquérito para dar prosseguimento às apurações.

Investigação

A delegada da Deam de Águas Lindas, Tamires Teixeira, explicou que a polícia busca imagens das câmeras de segurança de casas e comércios próximos à casa onde foi realizada a festa em que o estupro teria ocorrido. “As imagens podem nos ajudar bastante a esclarecer alguns pontos que ainda não estão muito claros. Já vimos que há câmeras no local e pretendemos verificar as imagens”, disse. Ontem, agentes da delegacia voltaram ao local da festa.

Segundo vizinhos e comerciantes locais, que preferem não se identificar, a casa costuma ser alugada para a realização de eventos. “Sempre tem música alta, bebida e muita gente. As festas duram horas e horas”, relata uma mulher. Uma comerciante conta que ajudou a jovem no dia em que teria ocorrido o crime. “Eu estava na loja ao lado da casa quando ela saiu, por volta das 7h da manhã. Chorava muito, muito alto, quase não conseguia falar”, relata. Segundo a testemunha, a festa ainda estava acontecendo quando a jovem saiu em busca de ajuda.

“Ela sentou na calçada, disse que havia sido estuprada e pediu que chamassem a polícia. O celular dela estava descarregado”, complementa. Segundo a comerciante, a vítima não apresentava sinais de embriaguez ou de estar sob efeito de drogas. “Estava lúcida, mas nervosa, não parava de tremer e repetir que havia sido estuprada”, diz. Nenhuma pessoa saiu da festa para ir atrás da jovem. Os vizinhos chamaram a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros de Goiás. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) participou dos primeiros socorros. Depois, o atendimento ocorreu no Hospital Municipal Bom Jesus. A vítima fez exame de corpo de delito no Instituto de Médico Legal (IML) de Luziânia. Segundo o delegado que participou do início das investigações, Fernando Lobão, o relatório do IML aponta secreções que são vestígios de abuso sexual, além do risco de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis.

Onde pedir ajuda?

Polícia Civil do DF ou de Goiás
Disque 197

Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência — Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República
Telefone: 180 (disque-denúncia)

Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Goiás (Deam)
Telefones: (62) 3201-2801 /3201- 2802 / 3201-2807 / 3201-2818 / 3201-2820

Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Águas Lindas de Goiás
Telefone: (62) 3613-0701

Conselho Estadual dos Direitos da Mulher de Goiás (Conem)
Telefone: (62) 3201-5345

Centro de Atendimento à Mulher do DF (Ceam)
» De segunda a sexta-feira, das 8h às 18h
» Locais: 102 Sul (Estação do Metrô), Ceilândia, Planaltina

Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam)
» Entrequadra 204/205 Sul — Asa Sul
Telefone: (61) 3207-6172

Disque 100 — Ministério dos Direitos Humanos
Telefone: 100

Programa de Prevenção à Violência Doméstica (Provid) da Polícia Militar do DF
Telefones: (61) 3910-1349 / 3910-1350

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Palavra de especialista 

Agir para evitar a revitimização

Viemos de uma sociedade machista e patriarcal, em que a mulher ainda é desacreditada quando tenta denunciar qualquer tipo de violência contra ela. Com estupro, não é diferente. Porém, quando o caso de fato é consumado, fica um pouco mais fácil provar a ocorrência do ato sexual, por meio do exame de corpo de delito e da perícia como um todo. E, no direito penal, é preciso ter esses e outros tipos de provas para que a Justiça condene o(s) acusado(s). A pena é de reclusão de oito a 15 anos em regime fechado, isso sem considerar outros agravantes. No entanto, é importante lembrar que todo o atendimento à mulher, desde o início do caso, precisa ser cauteloso, a fim de não revitimizá-la diversas vezes. Ou seja, é preciso evitar que ela seja atendida por homens; que ela precise repetir o depoimento diversas vezes; que ela seja exposta. Todos os delitos contra a dignidade sexual são mais delicados, e a intenção é preservar a integridade da vítima.

Jéssica Marques, advogada criminalista

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