O cerrado nas paradas
É impressionante o poder da arte em imprimir cor, luminosidade, arejamento e humanidade aos espaços. Vi as paradas de ônibus do Mangueiral revitalizadas por pinturas dos artistas Geovani Pedroso e Nivaldo Nunes, com representações da fauna e da flora do Cerrado e fiquei extasiado. São belas imagens em que repontam o fulgor do ipê-amarelo, a ferocidade serena do lobo-guará e a festa de cores das araras e dos tucanos.
Não são pinturas transplantadas para as paredes. Os painéis têm a linguagem das ruas, mas com tintas de boa qualidade e duráveis. Estão em plena sintonia com as paradas. Elas tornam a espera do ônibus um momento mais agradável. Falo de cátedra, pois fui um usuário do transporte público durante muitos anos e só renunciei a essa condição pela violência que impera na Rodoviária do Plano Piloto e cercanias.
A revitalização das paradas é uma iniciativa do Instituto de Artes Nivaldo Nunes e da Associação dos Amigos dos Jardins Mangueiral. Os moradores locais e os comerciantes bancaram todas as despesas. Foram revitalizadas 15 paradas de ônibus. É uma ação muito simples e reveladora de que não é tão difícil oferecer dignidade aos usuários de transporte público.
A experiência de Geovani e Nivaldo na revitalização dos espaços públicos começou em 2015, quando pintaram muros de escolas. E, para facilitar o trabalho, com o ideal de oferecer aulas de esportes, artes, cultura e música para crianças em situação de vulnerabilidade da Vila do Boa, uma comunidade de São Sebastião, eles fundaram o Instituto Nivaldo Nunes. Chegaram a atender 100 alunos nas oficinas de arte.
Em seguida, eles quiseram levar as pinturas de telas para as paredes dos pontos de ônibus, quase sempre sujos e degradados pelo vandalismo. Houve pontos em que precisaram reconstituir o cimento deteriorado. Pintaram paradas em São Sebastião, na Avenida do Sol, no Jardim Botânico e no Jardim Mangueiral. Levam para as paradas de ônibus um sinal de alegria, de civilidade, de cidadania e de pertencimento. O interessante é que as intervenções nos pontos são preservadas pela própria comunidade.
A iniciativa dos dois pintores me provocou a pensar no descaso com alguns lugares de uma cidade que é patrimônio cultural da humanidade. Vejamos como exemplo as passagens subterrâneas do Eixão. Cruzar aquela via é uma experiência dramática. Diariamente, milhares de trabalhadores, de pedestres e de ciclistas se expõem ao risco no Eixão. Além disso, as passagens são degradadas, sujas e perigosas.
Elas pedem uma ação conjunta que inclua reformas na estrutura e medidas de segurança. Quem passa por ali corre o perigo de ser assaltado e, se não for, enfrenta a avalanche de carros. Nunca entendi por que sucessivos governos jamais fizeram um edital convocando, por meio de concursos, arquitetos, urbanistas e artistas plásticos para promover a integração arte-arquitetura, com painéis de azulejo e outras intervenções. Se isso fosse realizado, as passagens subterrâneas seriam lugares públicos agradáveis de transitar e visitar.
Em vez disso, estão promovendo uma investida temerária sobre as escalas bucólica e residencial de Brasília, por meio de uma série de projetos. As linhas-mestras dos criadores deveriam ser retomadas para uma revitalização que tornasse a cidade mais humana, mais bonita e mais segura.
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