Da periferia para a UnB

Escolas públicas do DF aprovam, em meio às dificuldades de ensino e à pandemia, um número alto de candidatos em graduações como medicina e direito

Laura Vieira* Mia Andrade*
postado em 04/11/2021 00:01
 (crédito:  Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Estudantes de escolas públicas do Distrito Federal estão celebrando a aprovação na terceira etapa do Programa de Avaliação Seriada (PAS) da Universidade de Brasília (UnB). A terceira etapa do PAS teve 11.274 inscritos, com uma demanda de 5,2 candidatos por vaga, ao todo. Os jovens foram aprovados em graduações de diversas áreas como medicina, direito, farmácia, serviço social, ciências sociais, letras, arquitetura e psicologia.

Julie Rocha, 18 anos, aluna do Centro de Ensino Médio (CEM) 404 de Santa Maria, sempre estudou em escolas públicas e agora vive o sonho de ser a primeira pessoa da família a entrar em uma universidade. "Direito sempre foi um sonho meu e da minha mãe, quando vi meu nome na lista fui correndo contar para ela e choramos juntas", conta. A jovem estudou sozinha, apenas com o apoio da escola e da mãe, já que não tinha condições financeiras de entrar para um cursinho.

"Durante a pandemia, alguns colegas e eu criamos um grupo para estudarmos, também descobri o canal Método Orion, que disponibiliza aulas gratuitas sobre as obras do PAS/UnB. Além disso, a escola ajudou bastante com o projeto Sarau Poético, as provas no modelo do PAS e, claro, todo o incentivo dos professores", explica. Mesmo conseguindo passar sem apoio de um cursinho, Julie fala que sua situação não deve ser romantizada. "Todo estudante pobre deve ter acesso ao ensino superior, investir na educação é necessário para o progresso de qualquer país", reforça.

O CEM 404 de Santa Maria aprovou 26 alunos no PAS, cujo resultado foi divulgado em 27 de outubro. A instituição de ensino ficou conhecida, no início da pandemia da covid-19, por ser uma das escolas que criou projetos educacionais inovadores para auxiliar os estudantes, ainda que de forma remota, por meio das redes sociais. O professor de filosofia, Ricardo Rocha, ressalta que o projeto pedagógico da escola, há 10 anos, tem apoiado e estimulado os estudantes a ocuparem espaços nas universidades por meio do PAS/UnB, Enem e vestibulares.

O diretor do CEM 404 de Santa Maria, Felipe de Lemos, afirma que, apesar do despreparo inicial para a grande mudança causada pela pandemia da covid-19, o corpo docente uniu esforços para elaborar novas metodologias de estudo e ainda, adaptar os projetos educacionais já existentes para o modelo on-line. Um dos projetos que se manteve foi o Projeto Geração, que tem foco em auxiliar os estudantes a entender como funcionam os exames como PAS/UnB, Enem e outros vestibulares e as provas interdisciplinares, que abordam conteúdos do PAS.

"A escola tem um círculo virtuoso em que os alunos da periferia têm o conhecimento de que, com o acolhimento e apoio, podem, sim, acessar o ensino superior e fazer parte de uma universidade pública", explica. Além do apoio na hora de ingressar no ensino superior, a escola se prontificou em estar com uma equipe pedagógica disponível para apoiar os alunos que perderam familiares, amigos e pessoas próximas, devido à covid-19.

Outras escolas

Talita Caldas, 19, aluna do Centro Educacional 104 do Recanto das Emas, foi uma dos 14 estudantes  aprovados. A estudante conta que nem sempre soube que queria cursar medicina, mas que conhecer mais sobre a graduação e suas áreas a ajudou a escolher a formação. "Sempre nutri esse desejo em passar em medicina, mas para mim era algo que parecia distante. Quando li meu nome na lista tive que subir e descer várias vezes para ter certeza se eu tinha mesmo passado", lembra.

Sem o contato presencial com os colegas e professores, a jovem sentiu dificuldade em se adaptar ao modelo on-line, que pegou todos de surpresa. "As aulas síncronas e as discussões sobre o que foi passado nas disciplinas ajudaram bastante na hora de se acostumar com o ensino a distância. Os professores também sempre foram muito solícitos, sempre dispostos a tirar dúvidas pelo Whatsapp e durante as aulas, o que ajudou demais na hora de estudar e encontrar métodos novos de estudo", explica.

Davi Santana, estudante do Centro de Ensino Médio (CED) 01 de Brazlândia, foi aprovado pelo PAS para o curso de engenharia de redes de comunicação. O aluno confirma que sentiu felicidade ao receber a notícia da aprovação: "Estava ansioso porque demorou muito, por causa da pandemia, mas, quando saiu o resultado, me alegrei muito com a minha família e agradeci muito a Deus".Para ele, a parte mais difícil do ensino remoto foi estudar sem ter o apoio presencial dos professores e colegas de sala. Então, para superar esse desafio, disse que estudou para o PAS por meio de cursinhos on-line, planilhas de estudo montadas por ele, materiais disponibilizados pela escola e com muita dedicação e tempo de aprendizado.

O CEM 02 de Brazlândia contabiliza 31 alunos aprovados na primeira chamada do PAS. Juan Vitor Santos, 18 anos, passou em direito. "Quando eu vi, nem acreditei", disse, ao confirmar que é o primeiro da família a entrar na UnB. O diretor da escola, Marcos Acléssio, 33 anos, relatou que, com a pandemia, a direção da escola, os professores e, principalmente, os alunos tiveram de se ajustar ao modelo das aulas remotas e à tecnologia. "Muitos dos alunos ficaram prejudicados, tiveram de pegar material impresso e se adaptar a essa nova realidade", disse. "Para a gente, a maior dificuldade é isso: em especial, a questão financeira dos nossos estudantes", complementa.

Aluna do Centro de Ensino Médio Escola Industrial de Taguatinga (Cemeit), Mariana Donato foi aprovada pelo PAS para o curso de enfermagem. A estudante contou que estava desacreditada em relação a aprovação, por ter tido, a princípio, dificuldades com as provas e, por isso, nao esperava o resultado: "Eu sou a primeira da minha família a entrar na UnB. Foi muito gratificante conquistar isso em uma época tão difícil".

Segundo o supervisor pedagógico do Cemeit, Gabriel Rodrigues, 35 anos, a escola ofereceu uma educação on-line contando com a participação dos estudantes. "Eles são a maioria, eles são aqueles que estão de alguma forma, ensinando a gente também", disse. "E, quando se trata de tecnologia, eles são experts".

 

*Estagiárias sob a supervisão de Ana Sá

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  • Hélio Wendhel passou para o curso de saúde coletiva
    Hélio Wendhel passou para o curso de saúde coletiva Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Julie Rocha foi aprovada no curso de direito da UnB
    Julie Rocha foi aprovada no curso de direito da UnB Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

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