RESGATE HISTÓRICO

Secretaria de Cultura quer reabrir Memorial dos Povos Indígenas até 15 de novembro

Mais de 8 mil itens apreendidos em operação da Polícia Federal em 2003 e seriam destruídos vão compor coleção do memorial, o segundo maior desse tipo no Brasil. Doação do material ocorreu nessa quarta-feira (3/11)

Ana Isabel Mansur
postado em 04/11/2021 06:00 / atualizado em 04/11/2021 07:05
O cacique Francisco Filho Guajajara liderou o ritual que abençoou os materiais recebidos, por meio de músicas e orações -  (crédito:  Minervino Júnior/CB)
O cacique Francisco Filho Guajajara liderou o ritual que abençoou os materiais recebidos, por meio de músicas e orações - (crédito: Minervino Júnior/CB)

O Distrito Federal abriga o segundo maior acervo indígena do país, atrás apenas do Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Nessa quarta-feira (3/11), a Polícia Federal (PF) doou mais de 8 mil peças para a coleção do Memorial dos Povos Indígenas (MPI), em Brasília. Os itens — provenientes de apreensões feitas em maio de 2003 como parte da Operação Pindorama — pertenciam a etnias de todas as 27 unidades federativas.

As peças, que seriam destruídas, juntam-se à atual coleção do memorial, composta por cerca de 700 artefatos. A cerimônia simbólica de entrega da doação ocorreu nesta quarta-feira (3/11) no MPI, com participação de indígenas da etnia Guajajara moradores do Noroeste.

O cacique Francisco Filho Guajajara liderou o ritual de bênção aos materiais recebidos, em cerimônia que contou com músicas e orações. "É uma alegria. Representamos nossos parentes, que são guerreiros. Isso é cultura indígena; são nossos pertences e nosso futuro. O material não poderia ser destruído, pois estragaria parte da nossa memória. Isso é uma herança. Um dia, meus netos verão (o acervo)", afirmou.

Além disso, o cacique criticou o uso indiscriminado dos artefatos indígenas e a falta de investimento na memória dos povos originários: "A pessoa compra (peças indígenas) e acha que vai virar índia só botando o cocar na cabeça. Mas o indígena de verdade sofre e não sabe negociar nem vender um pedaço de pau. Estamos perdendo tudo. Preservamos as coisas para os outros, mas os recursos não vão para nós. Não somos beneficiados. Precisamos de apoio e queremos respeito", reivindicou o líder.

  •  03/11/2021 Cr..dito: Minervino J..nior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Doa....o de acervo ind..gena da Pol..cia Federal/ Funai para o museu do ..ndio de Bras..lia.
    Doação da Polícia Federal ao Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília Minervino Júnior/CB
  •  03/11/2021 Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Doação de acervo indígena da Polícia Federal/ Funai para o museu do índio de Brasília.
    Doação da Polícia Federal ao Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  03/11/2021 Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Doação de acervo indígena da Polícia Federal/ Funai para o museu do índio de Brasília.
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  •  03/11/2021 Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Doação de acervo indígena da Polícia Federal/ Funai para o museu do índio de Brasília.
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  • Doação da Polícia Federal ao Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília Minervino Júnior/CB/D.A.Press
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  •  03/11/2021 Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Doação de acervo indígena da Polícia Federal/ Funai para o museu do índio de Brasília.
    Doação da Polícia Federal ao Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília Minervino Júnior/CB/D.A.Press
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    Doação da Polícia Federal ao Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  03/11/2021 Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Doação de acervo indígena da Polícia Federal/ Funai para o museu do índio de Brasília.
    Doação da Polícia Federal ao Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília Minervino Júnior/CB/D.A.Press

Obras

David Terena, gerente do MPI, afirmou que o contato com a PF ocorreu em agosto. De lá para cá, houve a resolução de trâmites burocráticos para a doação. "É um material muito raro; aceitamos a doação de pronto. As peças são lindas, e é gratificante. Quando se fala em indígenas, ainda não dão o devido valor como pessoas e cidadãos", refletiu. 

A expectativa da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec), responsável pelo museu, é reabrir o MPI — temporariamente fechado para reforma — até o próximo dia 15. Agora, a proposta da pasta é inaugurar o espaço com uma exposição das novas peças do acervo. Porém, o material doado ainda precisa passar por processo de análise, que inclui triagem, catalogação, restauração e organização dos itens.

Para Aline Ferrari, gerente de Acervo da Secec, apesar de os objetos não terem sido mantidos da maneira mais adequada, a preservação foi bem-sucedida. "Parte do acervo estava guardada em caixas de isopor, que não são a destinação correta, mas protegeram-nas da luz e do calor. As peças ficaram muito bem conservadas, mesmo com todo esse tempo no depósito. A maioria está íntegra", comemorou.

O material, que também terá aproveitamento das peças gastas, tem itens variados. Entre eles, há objetos como cocares, chocalhos e instrumentos musicais. "Tudo é feito manualmente. São objetos muito importantes. Eles (os indígenas) usaram o couro e a pelagem completa de animais. São artefatos usados, também, em rituais de cura", destacou Aline.

Além da coincidência com a reabertura do memorial, o novo acervo chegou a tempo da comemoração do bicentenário da independência do Brasil, em setembro de 2022. "Essa doação significa muito não só para a Secec e o DF, mas também para as nações indígenas e o Brasil", ressaltou.

Operação

Os objetos são fruto de tráfico internacional. Há armamentos como arcos, flechas e lanças, além de adereços como braçadeiras e pulseiras de diversas comunidades — Kayapó, Karajás, Xicrim, Arara e Yanomami. Um grupo de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) encomendava, de maneira ilícita e diretamente com as etnias indígenas, a produção artesanal das peças, previamente acordadas para serem destinadas à Europa e aos Estados Unidos.

Os crimes ocorreram entre 1998 e 2002. Os artefatos eram comprados dos produtores por valores irrisórios e repassados para os compradores por preços exorbitantes, segundo o agente da PF Antonio Marques Pereira. "Nada ficava para os indígenas nem na Funai. Com a última sentença (judicial), que determinou a destruição de todo o material, fizemos a petição para o juiz autorizar a doação", descreveu o agente.

À época, foram presos sete servidores da Funai que enviavam o material para o exterior. Contudo, ao fim do processo, em 2021, ninguém foi condenado. "Nossa legislação é frágil no sentido de evitar exportação de artesanato de origem animal. Acredito que, por falta de lei específica que proíba a conduta, houve a absolvição", comentou o policial federal Mário Lopes.

Alguns meses após a operação, em 25 de agosto de 2004, a Câmara dos Deputados instalou uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar o tráfico de animais e plantas silvestres brasileiros, a exploração e o comércio ilegal de madeira e a biopirataria no país.

Com uma menção à Operação Pindorama no relatório final da CPI, os parlamentares destacaram que "a utilização da fauna pela população indígena deixa de ocorrer por questões de subsistência e cultura e assume uma coloração nitidamente mercantil. Nesse caso, só quem sai ganhando são os intermediários, que se valem das brechas da legislação para incrementar um comércio que é ilegal e vai contra os interesses do Brasil, da biodiversidade e das próprias comunidades indígenas".

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