Memória / Mais de 8 mil peças apreendidas pela PF vão integrar acervo de museu do DF, após 18 anos. Itens seriam incinerados. Agora, Brasília tem a segunda maior coleção do tipo no Brasil, atrás, somente, do Rio de Janeiro

Resgate de obras indígenas

Ana Isabel Mansur
postado em 04/11/2021 00:01
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

O Memorial dos Povos Indígenas (MPI) tornou-se o segundo maior acervo indígena do país ontem, ficando atrás apenas do Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Isso, porque a Polícia Federal doou mais de 8 mil peças para a coleção, oriundas de apreensões feitas em maio de 2003, como parte da Operação Pindorama. Os itens, advindos de etnias de todas as unidades federativas do Brasil, seriam destruídos. Os objetos juntam-se à atual coleção do memorial, com cerca de 700 artefatos. A cerimônia simbólica de entrega da doação ocorreu nessa quarta-feira no museu, com participação de guajajaras moradores do Noroeste.

O cacique Francisco Filho Guajajara liderou o ritual que abençoou os materiais recebidos, com músicas e orações. "É uma alegria, estamos representando nossos parentes, que são guerreiros. Isso é cultura indígena, são nossos pertences e nosso futuro. O material não poderia ser destruído, estragaria parte da nossa memória. Isso é uma herança, um dia meus netos verão (o acervo)", celebra Francisco.

David Terena, gerente do MPI, conta que o contato da PF foi feito em agosto. De lá para cá, houve a resolução dos trâmites burocráticos para a recepção. "É um material muito raro. Aceitamos a doação de pronto, as peças são lindas. É gratificante. Quando se fala em indígenas, não se dá o devido valor como pessoas e cidadãos", refletiu David. A importância dos itens foi logo notada pelos envolvidos no processo. "Nós percebemos o potencial cultural do material e fizemos contato com o Governo do DF para a doação", lembra Mário Lopes, agente da Polícia Federal.

A expectativa da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec), responsável pelo MPI, é de reabrir o museu, temporariamente fechado para reforma, na primeira quinzena deste mês. Por feliz coincidência, a ideia da pasta, agora, é inaugurar o espaço com uma exposição com as novas peças do acervo. O material doado precisa, porém, passar por processo de análise, que inclui triagem, catalogação, restauração e organização dos itens.

Operação

Os objetos são fruto de tráfico internacional. Há armamentos, como arcos, flechas e lanças, além de adereços como braçadeiras e pulseiras, de diversas comunidades — Kayapó, Karajás, Xicrim, Arara e Yanomami. Um grupo de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), de maneira ilícita, encomendava, diretamente com as etnias indígenas, a produção artesanal das peças, previamente acordadas para serem destinadas à Europa e aos Estados Unidos. Os envolvidos no comércio ilegal foram absolvidos. Ninguém foi preso. Os artefatos eram adquiridos dos artesãos por valores irrisórios e repassados para os compradores por preços exorbitantes.

"O valor de revenda era enorme, e nada ficava para os indígenas nem na própria Funai. Com a última sentença, que determinou a destruição de todo o material, fizemos a petição para o juiz autorizar a doação", explica o agente da PF Antonio Marques Pereira, que comemora o sucesso da transição. "Quando o memorial reabrir, vou trazer meus filhos para visitar e dizer 'o pai de vocês colaborou com isso aqui'", orgulha-se.

Riqueza

Para Aline Ferrari, gerente de Acervo da Secec, apesar de os objetos não terem sido mantidos da maneira mais adequada, a preservação foi bem-sucedida. "Parte do acervo estava guardada em caixas de isopor, que não são a destinação correta, mas protegeram da luz e do calor. As peças ficaram muito bem conservadas, mesmo com todo esse tempo no depósito. A maioria está íntegra", comemora. Aline afirmou que, mesmo as peças desgastadas, serão aproveitadas pelo memorial. "Vamos conseguir recuperar. Temos, em acervo, artigos que sofreram com o tempo. Como o material é de origem natural, podemos aproveitar o que não está tão bom para compor o que temos e restaurar", adianta.

Entre as doações, a gerente de Acervo destaca itens perfeitamente íntegros, como cocares, chocalhos e instrumentos musicais. "Tudo é feito manualmente, então são objetos muito importantes. Eles usaram o couro e a pelagem completa de animais. Esses artefatos são usados também em rituais de cura", detalha Aline.

Além do encaixe temporal com a reabertura do memorial, o novo acervo chegou a tempo da comemoração do bicentenário da independência do Brasil, em setembro de 2022. Carlos Alberto Júnior, secretário-executivo da Secec, ressalta a importância desse acervo recuperado para a cultura nacional. "Essa doação significa muito não só para a Secec e o DF, mas também para as nações indígenas e o Brasil", frisa Carlos Alberto.

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