Todos os dias, Maria vai ter com a saudade. Dentro da pequena bolsa encardida, coloca a foto do marido, João, assassinado ao tentar proteger uma mulher que apanhava do companheiro no único bar da vila. Maria ficou sozinha. Com os seis filhos. Todos os dias, com o que lhe restou do homem que foi parceiro, amante e conselheiro, caminha 10km até o cemitério da vila. Um banquinho espera por ela sob o jasmineiro, à beira do túmulo. Escolheu sepultar João ali, sob a sombra da árvore. Queria que ele sentisse o perfume que um dia também lhes roubou o primeiro beijo.
Todos os dias, Maria chega e começa a contar para o marido sobre as coisas da vida. As primeiras palavras de Binho, o menino de quase 2 anos que emudeceu-se e afundou na tristeza com a falta do pai. A dedicação de Joaninha, 6 anos, na escola. Sonha ser médica para tentar retribuir o que a ciência tentou fazer por seu herói maior. O orgulho com que Pedrinho, 11, ainda fala daquele que lhe deu a vida.
Maria gosta de descrever ao marido a dura lida da família. As dificuldades para alimentar as crias, as vezes em que teve de dobrar a jornada para levar comida para casa, a batalha para vencer a depressão e manter-se de pé. Ela sente que, mesmo separados por um plano quase metafísico, João consegue escutá-la. Maria não está sozinha.
Todos os dias mulheres, guerreiras como ela, se tornam as únicas responsáveis pelo sustento do lar, depois de enterrarem os seus maridos. Ou de serem enterradas vivas, abandonadas por quem um dia lhes jurou todo o amor do mundo. Precisam lidar com a própria tristeza e consolar os filhos. A vida é luta renhida e, como dizia Guimarães Rosa, ela quer da gente coragem, esquenta e esfria, aperta e afrouxa, sossega e depois desinquieta.
Sentada diante do túmulo do seu amor, Maria se embevece com o pôrdo sol, que lhe colore o coração como se fosse aquarela divina. Semimorta, sente-se viva, plena e com a licença de procurar a felicidade, onde quer que ela se esconda. Pelos filhos, encontra uma réstia de esperança no brilho do astro-rei. Ao fim da conversa com João, ela fecha os olhos, ouve o barulho do vento, sente a brisa acariciar-lhe os cabelos e roçar-lhe a fronte. Então, chora copiosamente. Todos os dias. Como é forte a Maria... Ficou com os seis filhos e com a saudade.
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