Projeto voltado à alimentação de pessoas em situação de rua é fortalecido

Grupo se dedica a reformar o espaço Cozinha para Dividir para aumentar a produção diária de alimentos a pessoas em situação de rua e em vulnerabilidade social

Edis Henrique Peres
postado em 15/11/2021 06:00 / atualizado em 15/11/2021 06:00
 (crédito:  Minervino Júnior/CB)
(crédito: Minervino Júnior/CB)

Diariamente, por volta das 16h, os integrantes da organização não governamental (ONG) Projeto Dividir se reúnem na cozinha solidária, na 102 Norte, para produzir marmitas que serão entregues para a população em situação de rua e em vulnerabilidade social. Com a ajuda de voluntários, a equipe deixa o local entre 18h e 19h rumo ao Setor Comercial Sul, à Torre de TV e às ocupações próximas ao Detran da Asa Norte e à Universidade de Brasília (UnB). Por dia, o projeto consegue entregar cerca de 100 marmitas. Mas, para o cenário vivenciado na capital do país, o desejo do grupo é conseguir ajudar ainda mais pessoas.

A iniciativa nasceu em março de 2020, no começo da pandemia do novo coronavírus. Sofia Maria Anouk, presidente da ONG, conta que, com a crise sanitária, percebeu que muitas pessoas em situação de rua ficaram mais abandonadas. "Com tudo fechado, eles não tiveram mais o suporte do comércio que costumava ajudá-los. Quando começamos, logo fomos acionados por outras pessoas e outras regiões do DF, que tinham demanda por alimentos, cestas básicas, produtos de limpeza e higiene. A partir disso, passamos a fazer compra e distribuição desses materiais. Hoje, produzimos até 100 marmitas por dia, mas com a reforma que estamos fazendo na cozinha, queremos alcançar 300 marmitas diárias. Nosso foco é oferecer não apenas o jantar, mas conseguir fazer o almoço para esses moradores", conta.

Sofia destaca que a ONG recebe doações de alimentos, produtos de higiene, roupas e doações em dinheiro. "Montamos nossas cestas básicas, cestas verdes e kits de higiene para distribuição", explica. Na avaliação dela, "a crise sanitária potencializou o problema social que já existia". "Quando começamos, não imaginávamos que nossa iniciativa seria necessária por tanto tempo. Com essa observação, do aumento do número de pessoas em situação de rua, também percebemos que o projeto precisava realizar mudanças permanentes", conta.

Por isso, o Projeto Dividir pretende profissionalizar na área de cozinha as pessoas em vulnerabilidade social. "Recebemos, constantemente, dessas pessoas pedidos de empregos. Por isso, a Cozinha Para Dividir será um local onde as pessoas serão capacitadas como auxiliares de cozinha, enquanto produzem as refeições para distribuição nas ruas da cidade", salienta Sofia. Atualmente, a ONG conta com cerca de 20 voluntários, que se dividem nas tarefas de arrecadar alimentos e produtos, organizá-los em cestas e realizar a distribuição dos alimentos.

"Também temos uma parceria com a Universidade do DF (UDF), do Departamento de Psicologia, que faz atendimento para as pessoas que vivem nas ocupações urbanas. Esse suporte é muito importante. Com o foco de conseguir trazer um modelo funcional para a nossa cozinha, visitamos algumas instituições que atuam em São Paulo. Nosso objetivo é aprender como podemos otimizar o nosso trabalho aqui no DF", destaca.

Satisfação

Mariana Valle, 23 anos, estudante e moradora da Asa Norte, é uma das voluntárias que atuam na ONG. "Comecei no projeto em março deste ano, principalmente porque durante a pandemia fiquei um pouco espantada com o aumento da fome e do número de pessoas que estavam nas ruas. Como meus pais têm uma empresa de produção de alimentos, comecei a direcionar o que sobrava para a ONG. Estou apaixonado por esse trabalho", confessa.

Mariana pontua que trabalhar como voluntária a tirou da "inércia" de ficar dentro de casa durante a pandemia da covid-19. "Traz um senso de pertencimento a algo maior, porque mesmo com os desafios, a gente consegue atingir e ajudar muitas pessoas. Percebemos a alegria de quem recebe essas doações. Antes, cheguei a participar de algumas iniciativas da igreja que frequento. Então, trabalhar nesse tipo de atividade sempre foi uma vontade minha", descreve.

Na ONG, Mariana desempenha diversas atividades. "O trabalho é bem rotativo, cada dia precisam de um tipo de serviço. Ajudo na distribuição das doações, na separação dos alimentos e na montagem das marmitas. Tem sido completamente enriquecedor para mim como ser humano, como experiência de vida. Eu saio da minha bolha de realidade e enxergo esse Brasil que costuma estar invisível. É muito gratificante saber que posso fazer a diferença com meu carinho. Não existe sensação melhor do que dar um prato de comida para quem tem fome", avalia.

Outro voluntário é Gustavo Uirá, 30 anos, morador da Asa Sul, que foi convidado por uma amiga que estava engajada no projeto a participar da iniciativa. "Comecei a vir para a ONG como auxiliar de cozinha, mais ou menos em agosto deste ano. Mas logo começaram as obras de ampliação e melhoria do local, e agora eu apareço para ajudar na construção. Acho que o principal é o acolhimento na proposta, de poder ajudar quem não tem as mesmas condições, que passa dificuldades", pondera.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Colaboração

Para Valéria Moraes, 38 anos, moradora de Taguatinga e servidora pública, fazer parte do projeto muda a percepção de mundo de cada pessoa. "É diferente você ler no noticiário que o número de pessoas na rua aumentou ou que tantas famílias passam fome, e você ir na rua e ver essa situação diretamente. Quando a gente para o carro e abre o porta-mala com as marmitas, é tanta gente que aparece e a noção do problema fica bem mais palpável e, ao mesmo tempo, ficamos mais motivados a continuar", descreve.

Valéria quis começar a atuar na ONG após receber um pedido de ajuda de um morador de rua. "Estava lanchando em um local na Asa Sul, quando um cara me parou e contou a situação dele. Ficamos uns 30 minutos conversando. Depois eu tentei ajudar, mas não o encontrei no local que ele disse que costumava ficar. Esse episódio foi muito marcante para mim. Fiquei uns três dias só pensando que precisava fazer alguma coisa. Depois disso, acabei vendo um post no Instagram sobre o Projeto Dividir e eu pensei que seria uma boa participar", afirma.

Valéria costuma atuar na ONG no fim de semana, quando está de folga. "Trabalho em horário comercial, então, só consigo ajudar na semana se entrar um pouco mais tarde na ONG. É bem diferente de tudo que já vivi, porque antes não tinha colocado a mão na massa em um projeto como esse. É muito recompensador. Criamos um laço diferente com as pessoas que ajudamos", detalha.

Além dos alimentos, o Projeto doa Cestas Verdes, o que auxilia também os produtores rurais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Lindaura dos Santos, 40 anos, é uma das produtoras beneficiadas com o ciclo de solidariedade movido pela ONG. "Quando começou a pandemia, nós do Assentamento Roseli Nunes, do MST, começamos a enfrentar muita dificuldade. Tudo fechou e não tínhamos onde vender nossa produção. Estávamos tendo perda de alimentos. Mas aí, as ONGs chegaram e começaram a comprar cestas verdes com a gente. Isso foi a maneira que encontramos de escoar nossa produção", conta.

Lindaura destaca que a corrente de doações ajuda a todos. "Dessa forma, as famílias conseguem ter um alimento saudável a um preço acessível e nós, do assentamento, conseguimos sobreviver. A cada semana eles pedem um número de cestas e a gente monta cada uma com seis itens. Sempre tem um tubérculo, uma fruta, uma hortaliça e legumes", detalha.

Qualificação

De acordo com os dados mais recentes sobre a população em situação de rua no DF, de uma pesquisa desenvolvida pela Universidade de Brasília (UnB), em 2011, a capital tinha 2.512 pessoas neste perfil. No entanto, passada quase uma década da pesquisa, a Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), sob demanda da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), realizará um estudo para traçar o perfil da população em situação de rua. A pesquisa está em andamento. A expectativa é que com os dados atualizados as ações do governo possam ser melhor direcionadas a este público.

Especialista em políticas públicas e socioeducação, Ravan Leão destaca que a saída para vencer a vulnerabilidade social é "melhorar a condição de vida econômica e social das pessoas para que elas não queiram permanecer em situação de rua". Ravan destaca que a Constituição garante o direito de assistência social. "Os assistentes sociais costumam ir até os moradores e mostrar os serviços que o governo disponibiliza, para que eles possam sair dessa situação. A ideia não é a manutenção da vulnerabilidade, mas traçar caminhos que permitam a superação dela", ressalta.

No entanto, o especialista destaca que essa atuação não pode ser forçada. "Não se utiliza da força para retirar pessoas em situação de rua. A atuação do poder público deve ser no objetivo de superação da invisibilidade, pois muitas vezes essas pessoas estão ali e não são notadas pela sociedade e pelo governo", avalia.

Atualmente, a capital federal conta com dois Centros de Referência Especializados para a População em Situação de Rua (Centros Pop). Os moradores recebem, nas unidades, suporte individual e coletivo, e podem participar de oficinas e atividades de convívio. Nos Centros Pop é possível fazer a higiene pessoal, buscar refeições e providenciar documentos. A capital também possui quatro Casas de Passagem, em Taguatinga, no Gama, em Planaltina e no Guará, que oferecem cinco refeições, diariamente, para os acolhidos.

Saiba Mais:

Instagram: @projetodividir
Site: https://www.projetodividir.com.br/

  • Como ajudar:
    Doações podem ser feitas na Objeto Encontrado, endereço: 102 Norte, Bloco B, loja 56
    Ou pela conta:
    Sicoob – banco 756
    Ag. 4221
    Cc. 11.241-0
    Projeto Dividir
    CNPJ: 38.254.161/0001-84
    PIX: 38.254.161/0001-84
    O comprovante pode ser enviado para o número 61 9559-0180
  • Cestas Verdes:
    Compre cestas dos produtores do MST
    Lindaura: 61 99827-6811


Projeto Dividir em números:
>> 22.440 marmitas

>> 4000 cestas básicas

>> 2800 cestas verdes

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

  • Sofia Maria Anouk, presidente da ONG Projeto Dividir, e sua equipe que distribui marmitas e cestas básicas para pessoas em situação de rua
    Sofia Maria Anouk, presidente da ONG Projeto Dividir, e sua equipe que distribui marmitas e cestas básicas para pessoas em situação de rua Foto: Minervino Júnior/CB
  • Equipe do Projeto Dividir produz as refeições no espaço Cozinha para Dividir, na Asa Norte
    Equipe do Projeto Dividir produz as refeições no espaço Cozinha para Dividir, na Asa Norte Foto: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A Press

Saiba mais sobre a iniciativa

Distribuição

22.440 marmitas

4.000 cestas básicas

2.800 cestas verdes

 

Como ajudar

Doações podem ser feitas na Objeto Encontrado (102 Norte, Bloco B, loja 56)
ou pela conta:
Sicoob – banco 756
Ag. 4221
Cc. 11.241-0
Projeto Dividir
CNPJ: 38.254.161/0001-84
PIX: 38.254.161/0001-84
O comprovante pode ser enviado para o número (61) 9 9559-0180

Instagram: @projetodividir
Site: https://www.projetodividir.com.br/

 

Cestas Verdes

Lindaura: (61) 9 9827-6811

 

 

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação