Seriados sobre amigos vivendo e se encontrando em apartamentos pequenos ou compartilhados conquistaram e ainda conquistam muitos fãs. Falo de séries norte-americanas como Seinfield, Friends ou The Big Bang Theory, por exemplo, que mostram jovens vivendo uma vida em 60 ou 80 metros quadrados numa metrópole onde o aluguel é caro o suficiente para nenhum deles morar sozinho ou em uma habitação melhor. Eis a vida dos anos 1990 e 2000 na Nova Iorque fictícia ou real.
No Brasil, essa vida dos seriados também é realidade. Para o jovem-adulto, morar bem (quesito localização, principalmente) em alguma grande cidade brasileira significa, geralmente, morar em um "cativeiro" ou em uma república. Na primeira década dos anos 2000, fui por duas vezes morar em São Paulo. Não conseguia trabalho em Brasília, e entrei na estatística do jovem migrante por razões econômicas.
Na primeira vez, recém-formado, morei em uma república com outras três pessoas, em um bairro muito bem localizado, perto da Paulista e de uma linha do metrô. Dormia na sala (quando eu conseguia dormir). Mesmo contribuindo financeiramente, eu tinha um prazo de validade na casa compartilhada, pois dormir na sala, enquanto todos tinham um quarto individual, era algo provisório e inconveniente.
De lá, fui morar em um quarto de 10 metros quadrados num pensionato perto de uma universidade, também próximo ao metrô, na região central da cidade. A dona da pensão tinha muitos gatos e era bem excêntrica, parecia uma cafetina de algum filme do Almodóvar (se é que ele tem essa personagem; se não, fica a dica, heim Dodô?!). Em outra ocasião, morei no ABC paulista, num cortiço. No inverno, dentro do cafofo, eu respirava e saía fumaça de frio da minha boca. Mas, pelo menos, era perto do trabalho.
Assim como a Nova Iorque dos seriados ou a São Paulo de jovens que pagam entre mil e dois mil reais por um quarto em um apê ou casa compartilhada, Brasília também é essa ilha da fantasia, onde paga-se um absurdo para "morar bem". Mobilidade urbana é outra grande falácia, ainda mais com nosso sistema de transporte público e gasolina a quase R$ 7.
Atualmente, é debatida a criação de moradias no Setor Comercial Sul. A ideia é interessante, na teoria. Mas, quem garante que o preço para morar na região não será inflacionado, como todo o Plano Piloto? E quem irá morar por lá? Pessoas em situação de rua? Jovens com pouca grana ou hipsters endinheirados que investem na bolsa ou têm alguma startup? O social irá prevalecer mediante à especulação imobiliária em uma área central e valorizada da capital do país? Só vendo para crer.
O preço atual da gasolina e do uber me deixam num dilema entre comprar um Santana dos anos 1990 (o que meu dinheiro permite) ou continuar gastando mais de R$ 40 por dia (ônibus na ida, aplicativo na volta) no trajeto casa/trabalho/casa. Em um mundo de pandemia e crise financeira, onde passou-se a vislumbrar o trabalho remoto, fico entre comprar um carro do Augustinho Carrara (Friends? Prefiro A grande família) ou gastar, mensalmente, quase um terço do salário em transporte para trabalhar.
Na melhor das hipóteses, continuarei morando longe do trabalho e usando o salário para pagar a comida, o transporte, as contas básicas, a ajuda para os pais no interior e alguma quantia para a cultura e o lazer. Até parece muito para o Brasil atual. Veremos o que sobrará.
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