Há tanta vida lá fora

Ricardo Daehn
postado em 18/11/2021 00:01
 (crédito: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
(crédito: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)

Foi em Águas Lindas, que, de posse das técnicas de malabarismo e da criação de bonecos e a realização de mágica, o mestre Zezito (morto em 2007) criou a escola Circo Boneco e Riso. Nada mais justo que, nos nossos tempos de reconquistas das ruas de Brasília, o ex-funileiro José André dos Santos (como o cearense Zezito pouco foi conhecido) venha a ser lembrado pelas iniciativas da liberdade do teatro gabaritadas a conquistar o público desavisado, que circula nas ruas.

"A rua é o palco mais generoso", certa vez, disse o ator José Regino. Aos brasilienses que concordam com a máxima dos males espantados pelo ato do canto ou do agito da dança, vem a novidade: até domingo, a cidade sedia a 19ª edição do Dança em Trânsito. Performances e projeções de filmes serão trazidas ao CCBB, com direito a apresentações ao ar livre. Parece redundância o tal ar livre, mas, íntimos das máscaras, é certo que mudamos muito de perspectiva. Hoje, às 17h30, será a vez da barcelonense Iron Skulls Co apresentar Sinestesia, espetáculo de dança contemporânea, irmanado da acrobacia e do hip hop.

Parece mentira, mas lá se vão quase dois anos e meio, que a capital viveu o frescor do Movimento Internacional de Dança, capacitado a reunir 182 profissionais, sob evento dirigido por Sérgio Bacelar e que, entre profissionais e amadores, reuniu 16 grupos locais. À época, as batalhas de break duelaram pela atenção junto a grupos estabelecidos como a Quasar Cia. de Dança, integrada no espetáculo Estou em silêncio, formado apenas por mulheres. Todos, plateia e público, circulavam com a naturalidade de quem estava alheio ao novo coronavírus.

Falar dos campos vastos da Brasília que acolhe culturas eruditas e populares (artistas das paradas dos sinais de trânsito estão aí, para não desmentir), traz para cena, a eterna presença de Ary Pára-Raios. Por meio do que ele chamava de Guerrilha Urbana, Ary investiu contra a seriedade de muitos, cantando no meio da rua, e com viola e rabeca em punho. Morto em 2003, vitimado por câncer, Ary Pára-Raios remexeu com a memória afetiva da cidade quando, em 2008, a Caixa Cultural (SBS) investiu na exposição Viva o Esquadrão da Vida.

Muito além das queixas de não ter lugar para acondicionar apetrechos cênicos do pai ou mesmo para realizar os ensaios do grupo que perpetuava "a filosofia de vida" de Ary, duas filhas dele, Maíra e Tiana Oliveira, contaram ao Correio dos impulsos de "nostalgia e questionamentos" com a partida do pai que abraçou, em meados dos anos de 1970, a gênese do futuro (e inquietante) Esquadrão da Vida: foi integrante do grupo XPTO, versado em levar as artes para a rua. Pára-Raios empregou uma perspectiva colorida e futurista que redimensionou a performance na capital que teve por primeiros passos dramatúrgicos as criações das comédias Brasília, bossa nova e Uma noite em Brasília, ambas assinadas pelo ex-funcionário de taquigrafia da Câmara dos Deputados Armando de Oliveira Carvalho.

Muito ligado à condição de ser mostrada em praças e afins, o movimento do hip-hop que floresceu com função social, especialmente validado na Ceilândia, pela dança de rua, em projetos como o In Steps, encontrou recentemente um estímulo, diante da revitalização da Praça do Povo (no Setor Comercial Sul). Muito do hip-hop e do rap está difundido no espaço público, em que, estima-se, transitam mais de 150 mil pessoas por dia. Calçamento renovado, maior acessibilidade e criação de nova pista de skate foram alguns dos ganhos para a população.

Versado em power moves, breaking e nos treinamentos coreográficos de pés e mãos, o B.Boy Papel (Alan Jhone) se afirmou como propulsor para a adesão local das artes populares, em especial, como criador do projeto Quando as ruas Chamam. Um concurso de graffiti já está em andamento, com o objetivo de escolher a arte simbólica do evento para 2022. Atendendo ao chamado, faça sol ou chuva, os brasilienses já podem comemorar outra vitória na retomada da circulação (ainda moderada, dada a covid-19): para além da regular viagem no espaço, por galáxias e planetas, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação anuncia, para o período entre 9 e 12 de dezembro, no Planetário, a segunda edição do Immersphere — Festival Internacional de Fulldome. Com a primeira edição em 2017, e a interdição com a pandemia, a nova mobilização tecnológica — que explora filmes em 360° — trará 16 obras novas (cinco delas nacionais). Uma boa oportunidade para, de verdade, revermos conceitos e nossa participação no mundo.

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