Chocolate descobriu as maravilhas do celular. Estava sentado, tomando um chope, e ele de pé, ao meu lado, observava eu mexer no aparelho. Não sou psiquiatra, mas acredito que ele tenha um grau leve de esquizofrenia, o que torna qualquer comunicação com ele complicada. Mas eu consigo, um pouco, prender sua atenção. Com o celular, creio ter obtido o melhor resultado.
Jovem negro e em situação de rua, ele deve ter uns trinta e poucos anos e é figura conhecida em Taguatinga Sul. Responde pelo apelido de Chocolate, como falei antes. Alguns dizem que ele estudava física na UnB há alguns anos, antes de ter esse possível colapso mental.
Seu Jassé, dono de um barzinho na região, conhecido pelos saborosos quitutes feitos na hora (pastéis, empadas, bolos de carne e pão de queijo) sempre o ajuda, dando um pão de queijo e um café, o combo predileto de Chocolate. Jassé contou uma vez que o presenteou com um jaleco branco, talvez na tentativa de fazer o jovem lembrar dos tempos de faculdade. O senhor lembrou que Chocolate ficou muito feliz com o presente, e que o usava diariamente.
Certo dia, Chocolate apareceu triste, sem o jaleco branco. Deixou a vestimenta em cima de uma cadeira do bar de Jassé e saiu. O senhor foi conferir a roupa e viu que ela estava muito suja. No dia seguinte, Jassé a trouxe limpa. Chocolate apareceu e, feliz, pegou de volta o jaleco branquinho.
Enquanto eu escrevia essa crônica no celular, ele acompanhava atentamente a tela — não sei se conseguia ler e se sabia que a história era sobre ele. Antes, ele também estava curioso com o livro que eu lia: O mundo pós-pandemia. Nele, Fareed Zakaria discorre sobre várias lições e mudanças causadas pela crise sanitária. Em uma parte, onde ele fala sobre tecnologia, conta que o celular sabe de mais coisas, consegue responder sobre mais assuntos do que qualquer ser humano que ele conhece ou que um dia virá conhecer. Isso por causa do acesso e do armazenamento de informações que o aparelho que encantou tanto Chocolate é capaz de realizar. Zakaria também fala que o avanço da tecnologia e da inteligência artificial proporcionará uma mudança de foco em nossas vidas: passaríamos a nos tornar mais humanos, e não escravos de robôs.
Apresentei várias funções do celular para ele: como ver vídeos, se comunicar com outras pessoas, ler e escrever na tela. Mostrei uma recente postagem minha nas redes sociais sobre um filhote de morcego que invadiu meu quarto. Ele gostou da foto, parece que achou bem engraçada a situação. Prestou atenção a tudo que eu falei sobre o então misterioso e incrível aparelho. Quando eu o colocava no bolso, ele não gostava e pedia para eu continuar mostrando fotos e vídeos. Será que eu dou um celular para ele?
O problema seria conseguir um, além do acesso à internet. Wi-fi popular, social, aqui na área é igual caviar. Nem mesmo onde a internet gratuita deveria funcionar, como nos coletivos do DF, ela funciona — noticiou o Correio em fevereiro deste ano (reportagem finalista do Prêmio SAE, assinada por Pedro Marra e Larissa Passos). E um celular é apenas a ponta do iceberg para Chocolate.
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