Memória do festival

Correio Braziliense
postado em 12/12/2021 00:01

No ano passado, assisti a uma live com cineastas, atores e críticos sobre o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, sob a mediação de Sérgio Moriconi. Eles evocaram histórias deliciosas. Todos foram unânimes em reconhecer o evento como o mais importante em suas vidas. A passionalidade e a franqueza do público de Brasília faz a diferença.

Exibir um filme no Cine Brasília é uma experiência dramática: pode significar uma plataforma para o êxito ou para o fracasso mais retumbante. Todo diretor ou ator sente um frio na espinha ao adentrar aquela sala para submeter as suas produções à avaliação do público brasiliense.

Acompanho o Festival desde 1978, quando comecei a minha luta nesta longa estrada da vida jornalística e, inspirado pela live, resolvi também puxar o fio da memória sobre os momentos marcantes do evento para mim. Vamos lá. Em 1979, eu estava no fundão do Cine Brasília, as luzes se apagaram e, de repente, chega meu amigo, Éclison Tito, baiano terrivelmente inteligente, e alerta: "Glauber Rocha vai fazer uma intervenção aqui e pediu para a gente dar cobertura".

Pois bem, segundos depois, quando a luz da sala foi apagada para a exibição, Glauber chegou e começou a berrar: "Aqui quem fala é Glauber Rocha. Esse é um festival decadente, os cineastas independentes foram excluídos. Vocês têm de ir agora pedir a demissão do diretor da Fundação Cultural." Apoiamos Glauber com gritos, mas parte da plateia também vaiou democraticamente.

A performance de Wilson Grey, na pele de um ator mambembe de circo do interior, em A dança dos bonecos, dirigido por Helvécio Ratton, figura em minha lista dos grandes momentos do festival. É impagável quando Grey responde, com ar de canastrão, para aonde iria, depois de mais uma trapalhada: "Para o mundo, para o sucesso, para os grandes espetáculos".

A audácia de Murilo Salles, diretor de Como nascem os anjos, foi consagrada. O público sentiu comoção intensa ao assistir a cena final numa casa em que uma criança atira na outra e ambas morrem. Ao fim da sessão, o ator mirim teve de sair protegido, porque todos queriam abraçá-lo.

Eu achei marcante a exibição do documentário Rock Brasília: a era de ouro, de Vladimir Carvalho, não por causa da minha ínfima participação, mas porque é comovente ver os personagens de nossa aldeia representados na tela, mas em dimensão de relevância nacional.

Na minha lista de momentos marcantes não poderiam faltar os filmes Meu amigo Nietzsche, de Fáuston da Silva, e Mito e música: a mensagem de Fernando Pessoa, de André Luiz Oliveira, exibidos na Mostra Brasília. Fáuston colocou Nietzsche na Ceilândia; e, André, é o irmão baiano, irmão candango de Fernando Pessoa.

Não se trata de bairrismo, ambos saíram da Mostra Brasília e foram exibidos e premiados em festivais internacionais. Lavra, documentário exibido nesta edição do festival, já está inscrito em meu acervo pessoal de melhores momentos. Revela como estamos mergulhados na lama tóxica do privatismo mais predatório. Que venha o público no próximo ano. Viva o aplauso e viva a vaia.

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