ENTREVISTA

Projetos vão sugerir usos "mais flexíveis" para áreas do Plano Piloto, diz secretário

Com início do recesso do Legislativo local nessa quarta-feira (15/12), principais propostas de urbanização do Executivo local terão de aguardar o ano que vem. Secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação do DF, Mateus de Oliveira, detalha o que consta nos planos da pasta

Ana Isabel Mansur
postado em 14/12/2021 06:00 / atualizado em 14/12/2021 08:21
Secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Mateus de Oliveira -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Mateus de Oliveira - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

O Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCub) será o foco dos trabalhos e a principal aposta da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) para 2022. Em entrevista exclusiva ao Correio, o titular da pasta, Mateus de Oliveira, adiantou que o documento será encaminhado à Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) para apreciação dos deputados no primeiro semestre do ano que vem — com expectativa de chegada à Casa em abril. "A atualização da legislação da área tombada é uma recomendação da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Nesta semana, vamos concluir a minuta (do projeto de lei complementar) junto ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)", afirmou Mateus, à frente da secretaria desde o início de 2019.

Quanto à proposta de liberação do Setor Comercial Sul (SCS) para habitações — uma das sugestões do projeto Viva Centro, barrado pelo instituto em agosto, após extensas discussões no Legislativo e com a população em 2020 —, Mateus de Oliveira destacou que as avaliações cobradas constam na nova versão do PPCub. E, apesar de não cravar que demais áreas comerciais do Plano Piloto possam se tornar residenciais, o chefe da Seduh não descarta a ideia. "É necessário que mais pessoas morem na área tombada, no centro ou próximas a ela, para combater os vazios urbanos no DF", pontuou.

O gestor acrescentou que não haverá expulsão dos frequentadores do SCS com as requalificações propostas pelo Viva Centro, porque a parcela destinada à habitação — até 30% — não será suficiente para encarecer o metro quadrado dos imóveis nem os valores cobrados nos comércios da região. Além disso, Mateus acredita que a diversificação das faixas de renda entre novos moradores do setor levaria ao equilíbrio entre requalificação de espaços e valorização justa dos preços. Por meio do Plano Distrital de Habitação de Interesse Social (Plandhis) e da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab), o projeto de lei inclui a oferta de moradias populares na região.

PPCub

"Essa lei atualiza os usos (do espaço) na área tombada, no Plano Piloto, bem como esclarece diretrizes de preservação e regulamentação para todo o tombamento. É uma atualização aguardada há mais de 10 anos. Na última gestão, a minuta (do projeto de lei complementar), à época elaborada pela Seduh, foi encaminhada ao Iphan em dezembro de 2018. O instituto devolveu no ano passado e passamos 2021 trabalhando para atender as revisões que o instituto pediu. A atualização, além de ser uma determinação da Lei Orgânica do DF desde 2007, é uma recomendação da Unesco. Nesta semana, vamos concluir a minuta junto ao Iphan e divulgar, nos próximos dias, o calendário da apresentação (do texto preliminar) e das audiências públicas, que devem ocorrer em fevereiro. O envio (do documento) ao Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (Conplan) deve ocorrer em março, e o encaminhamento para a CLDF (Câmara Legislativa do DF), entre março e abril."

Diversificação

"A discussão mais aguardada sobre o PPCub é quanto aos usos flexíveis do Plano Piloto. Brasília foi criada na lógica da setorização, o que fez com que ela sofresse muito ao longo do tempo com a necessidade de deslocamento. A realidade atual do que se defende como cidade contemporânea é de usos mistos (dos espaços), onde as pessoas têm deslocamentos menores."

Setor Comercial Sul

"O PPCub vai prever estudos técnicos para o SCS. Com a lei Viva Centro, havíamos proposto a inclusão do uso residencial no setor, de até 30%, mantendo a preponderância comercial, para combater o esvaziamento (do bairro) e dar nova dinâmica ao local. (Com a rejeição do projeto pelo Iphan), o instituto não fechou as portas totalmente, mas deu um parecer pela necessidade de estudos mais aprofundados para analisar os reflexos que o projeto causaria. À época, entendíamos que tínhamos todas as avaliações e que a proposta estava bem embasada. Mas, em vez de voltar com essa discussão, entendemos que é mais importante que o PPCub seja analisado e avance com celeridade. Então, está inserida (na minuta) a previsão dos estudos que o Iphan solicitou."

Habitações populares

"Nosso objetivo é buscar uma mescla de faixas de renda (para as moradias no SCS), mas não temos a definição ainda. Pelo preço da terra, naturalmente o Plano Piloto gera um movimento de acesso das classes média e alta. No Viva Centro, por exemplo, nossa proposta foi no sentido de que cada empreendimento particular adaptado para habitação deveria pagar a Outorga Onerosa de Alteração de Uso (Onalt), que seria destinada para a Codhab reformar unidades no próprio SCS e criar a mescla de tipos de unidade (habitacional). O Plandhis prevê isso de pegar imóveis vagos e alugá-los para a Codhab. Mas é muito difícil fazer um projeto exclusivamente para a Codhab dentro de uma área tombada, porque o financiamento é muito complexo. A habitação de interesse social, historicamente, é dependente de incentivos do governo federal, seja para produção particular ou para ajudar a custear os empreendimentos. É um orçamento muito pesado. Na engenharia financeira que criamos, seria arrecadado determinado valor a cada empreendimento, para produzir, pela Codhab, moradias no próprio SCS. O sistema se retroalimentaria."

Moradias no Plano Piloto

"(Ter habitações em outras áreas tombadas), neste momento, não. Porém, o Plano Piloto todo receberá propostas de usos mais flexíveis. Teremos condições de falar quando tivermos o parecer final do Iphan. A minuta (do PPCub) não terá muitas novidades nem pontos polêmicos, porque o plano atenderá às diretrizes de uma portaria de 2016 do instituto. Acreditamos que o processo será mais rápido. Os lotes do Eixo Monumental (exclusivamente para uso cultural, como aprovado em primeiro turno pela Câmara Legislativa na quinta-feira), por exemplo, haviam sido liberados pelo Iphan em 2016."

Vazios urbanos

"O Plano Piloto foi criado de acordo com a lógica de baixa densidade, onde poucas pessoas moram. Há o sentimento de que não se pode ter mais habitação. É um debate que fazemos no PPCub, porque entendemos ser necessário pensar possibilidades para mais pessoas morarem na área tombada, central, ou próximo a ela, para combater os vazios urbanos do DF. Quanto mais longe as pessoas moram, mais se agrava o problema do trânsito. É preciso levar mais empregos para as extremidades, incentivar mais comércios e empresas nas regiões administrativas, mas não podemos ignorar o fato de que a área central precisa ser pensada como um espaço que ainda tem locais disponíveis para habitação. Esse debate é necessário. Não sabemos, ainda, se vamos propor novas áreas de moradia, mas é um ponto de discussão, com certeza, ter mais gente morando perto da área central (de Brasília)."

Requalificação

Além do Museu do Touring (que terá, por meio de um projeto de revitalização, um espaço de ciência e tecnologia em 2022), a Seduh tem mapeado edificações abandonadas e subutilizadas em todo o DF. Os locais onde temos o levantamento mais avançado são lotes com esqueletos de prédios abandonados em Águas Claras. A ideia, posteriormente, é regulamentar instrumentos que permitam a direção do uso, seja via desapropriação ou arrecadação para destinação a equipamentos públicos."

Gentrificação

"Até certo ponto, esse é um processo natural, mas precisamos equilibrar as políticas voltadas para o desenvolvimento da habitação e a requalificação dos espaços, combatendo-a com outras políticas. São situações exatamente como a que propusemos (para o SCS) que vão alcançar o equilíbrio. A gentrificação leva ao encarecimento do valor do metro quadrado, e as pessoas de menor renda não conseguem comprar as unidades (habitacionais). Não haverá expulsão (de pessoas), porque não tem moradia (no SCS) hoje, apenas frequentadores, o que rompe um pouco com esse conceito. Apesar de permitir o uso residencial, as moradias seriam em até 30% (dos imóveis), uma taxa relativamente pequena, que não descaracterizaria o setor. Ao mesmo tempo em que a oportunidade será dada, as unidades térreas serão mantidas como áreas comerciais de centro de cidade. As pessoas não vão deixar de frequentar, e a padaria, por exemplo, não vai ficar mais cara. Isso (o projeto) vai combater o esvaziamento e a impossibilidade de pessoas de menor renda morarem no SCS."

Luos

"Não há polêmica em relação ao todo, mas existem preocupações em relação à extensão de uso residencial para lotes no Park Sul. A última revisão da Luos (Lei de Uso e Ocupação do Solo, aprovada em 2018 com base em estudos de 2016) tinha liberado habitações para metade dos lotes. Fomos questionados por que a outra metade não poderia e, para dar isonomia, propusemos a expansão residencial para todos os lotes, exceto para os de frente para a Epia (Estrada Parque Indústria e Abastecimento). Outra preocupação, totalmente superada, dizia respeito aos lagos Norte e Sul e ao Park Way, para permitir escritórios de advocacia nas casas. Recebemos muitas demandas de autônomos, como arquitetos, engenheiros e contadores, para estender as autorizações a outras profissões. Como houve uma preocupação grande da população, concordamos com a retirada desse item. Em nossa visão, a Luos está pronta para ser votada."

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