Um Novo Olhar para 2022

"Temos de ajudar o Brasil a sair da pobreza", pede Mãe Baiana de Oyá

Na terceira matéria desta série especial de fim de ano, Adna Santos, a Mãe Baiana de Oyá, critica a intolerância religiosa e também fala sobre as eleições. Ela destaca que é uma oportunidade de escolher políticos que lutem pelas causas sociais

Ana Maria Pol
postado em 27/12/2021 06:00
Mãe Baiana, Adna Santos atua no Terreiro Ilê Axé Oya Bagan, no Núcleo Rural Tamanduá -  (crédito: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Mãe Baiana, Adna Santos atua no Terreiro Ilê Axé Oya Bagan, no Núcleo Rural Tamanduá - (crédito: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Passam-se os anos e, apesar de avanços sociais, centenas de praticantes da umbanda e do candomblé sofrem ataques constantes por suas crenças e lutam pela liberdade de fé. Segundo dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 0,2% dos moradores do Distrito Federal seguem religiões de matrizes africanas e lideram o ranking de crimes de intolerância religiosa, representando 59% dos casos, entre 2015 e 2019 — segundo dados da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa, ou por Orientação Sexual, ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência do DF (Decrim). Na capital do país, há cerca de 300 terreiros, sem contar as unidades do Entorno. Informações do Ministério de Direitos Humanos destacam que, entre 2011 e 2018, 47 denúncias de intolerância foram realizadas.

Para Adna Santos, conhecida como Mãe Baiana de Oyá, coordenadora da Rede Nacional de Religiões Afrobrasileiras e Saúde (Renafro) do Centro-Oeste, os dados não representam só intolerância religiosa. "Sofremos racismo religioso. O que nós sofremos é por ser religião de preto", denuncia. Adna defende a importância da educação e da conscientização do povo. "Nós tivemos esses três anos de retrocesso. Vínhamos trabalhando bem na luta do combate ao racismo religioso e, agora, passamos a sofrer mais, porque os racistas se sentiram chancelados pelo Estado para nos agredir, nos ameaçar, quebrar nossos terreiros" avalia, em entrevista ao Correio.

A fim de que os dados mudem e as religiões de matrizes africanas parem de sofrer com a indolência, Adna vê nas eleições de 2022 uma oportunidade. "Precisamos eleger um Congresso Nacional ativo e que lute pelas políticas sociais e afirmativas para o nosso povo parar de passar fome, para darmos educação de qualidade com desenvolvimento do senso crítico", argumenta.

Este ano foi marcado pela retomada de atividades cessadas devido à pandemia. Quais foram as questões que precisam mais ser trabalhadas dentro da sua comunidade?

Nós intensificamos muito a assistência social. Porque, com a suspensão de atividades, muita gente ficou desempregada, autônomos não tinham trabalho, então, vinham no terreiro pedir comida. A união foi algo muito presente para conseguirmos atender todos que bateram nas nossas portas.

A partir da experiência que a senhora teve, qual sua  avaliação que faz da situação pela qual passa o país, no contexto social?

Nós estamos vivendo, agora, o retrocesso de políticas públicas sociais e afirmativas. No momento que aumenta a fome, tivemos a retirada do Bolsa Família, as políticas de cotas nas universidades sendo ameaçadas e o desmonte da (Fundação) Palmares. Precisamos eleger um Congresso Nacional ativo e que lute pelas políticas sociais e afirmativas para o nosso povo parar de passar fome, para darmos educação de qualidade com desenvolvimento do senso crítico e precisamos de um Poder Executivo que paute o povo também. E que pare de nos matar.

Qual a sua projeção para 2022? O que esperar, no campo social e político?

Precisamos mudar, né? Mudar o governo, que não sabe gerir o país, que não sabe gerir o Distrito Federal, que desvia da Saúde, que militariza escolas atacando nossas crianças e nossos jovens negros, quando as proíbe de ser elas mesmas com seus cabelos afro ou de se expressar —como aconteceu na escola da Estrutural, no CED 01 quando tentaram calar a voz de adolescentes e crianças sobre consciência negra. Por que não pode falar? Cadê a liberdade de expressão? Se é algo que elas veem, elas podem falar, sim. E se o Estado viu que crianças e adolescentes expressaram a violência policial que veem em suas ruas, ao invés de reprimir, deveria chamar esses jovens e a comunidade ao diálogo para buscar resolver esse problema que é um problema social não só no DF, mas em todo o Brasil. Jovens negros são a maioria dos mortos por policiais. A abordagem é mais violenta quando é uma pessoa negra. Nas periferias, é ainda mais grave. Isso é dado. Tá, lá, no Mapa da Violência de 2021.

A violência doméstica tem aumentado. Como combater isso? Qual o papel das religiões afro perante esses casos, algo que tem sido comumente visto, principalmente no DF?

Quando nós identificamos sinais de violência doméstica, buscamos orientar essa mulher, dar suporte a ela. Para ajudá-la a sair dessa situação. Mas precisamos muito do amparo do Estado. Porque, precisamos encaminhar para delegacia da mulher. O caso precisa ser resolvido, senão aquele agressor volta ainda pior. A mulher, muitas vezes e principalmente quando é de periferia, precisa de um trabalho, de uma creche para as crianças, de uma capacitação para aprender a ter um ofício. Então, a gente acolhe, ajuda, mas nós precisamos que o Estado atue de forma mais firme. Infelizmente, a gente sozinho não consegue resolver esse problema.

Violência doméstica é um assunto discutido na comunidade de religiões afro? De que forma?

Muito trabalhado. A gente sempre faz rodas de conversa, orientação para abordar o assunto. Ajudar a identificar uma situação de violência e dar suporte para quem se vê nela, conseguir sair. A ideia é de que, em 2022, continuemos esse trabalho de orientação e apoio.

Outra consequência da pandemia é o aumento do desemprego e da pobreza. Diante disso, muitos atos de solidariedade surgiram. Como a senhora os analisa? Qual ensinamento essas ações deixam e que devem ser levados para o novo ano?

Realmente, nossa porta tocou mais vezes na pandemia. E, ainda toca. É triste ver que o Brasil voltou ao mapa da fome. E que, ainda assim, as políticas sociais que deveriam ser intensificadas foram, na verdade, reduzidas. Temos de ajudar o Brasil a sair da pobreza.

Qual o papel das comunidades religiosas em relação às eleições? Política e religião devem caminhar juntas?

Sempre nos falaram que religião e política não combinam, mas só nós, das matrizes africanas, acreditamos nisso. Prova disso é o tamanho da bancada evangélica no Congresso e tantas pautas fundamentalistas que vemos. Precisamos pautar o respeito entre as religiões. O Brasil é um Estado laico. Ele não é católico, não é evangélico. Ele é laico. Então, ele tem de prezar pela liberdade religiosa, de culto, de fé e, como diz a nossa Constituição Federal, precisa proteger nossos locais de culto. E, isso, o Estado não está fazendo. Não com nossas matrizes africanas. Porque, calam os nossos tambores com o aval do Estado, quebram nossos terreiros com aval do Estado e nos agridem sem que o Estado interfira. Nessa trajetória histórica de racismo institucional, o Estado, na verdade, precisa trabalhar contra o racismo religioso, ao invés de apoiar políticas e pautas fundamentalistas. Trabalhar contra o racismo religioso é trabalhar em defesa da liberdade religiosa, do respeito e da não violência. É disso que precisamos.

Qual seria a postura aconselhável de líderes religiosos para 2022?

A nossa postura enquanto liderança religiosa é de auxiliar na vida espiritual dos nossos filhos.

O combate ao novo coronavírus tem esbarrado no extremismo religioso, que nega o campo científico. Qual o impacto, a longo prazo, desse fanatismo?

Isso é muito preocupante. Nós, enquanto líderes religiosos, temos uma responsabilidade muito grande com nossos filhos, porque eles nos ouvem muito. Então, precisamos de muita sabedoria para orientá-los. No terreiro, nós damos todo o suporte emocional, espiritual, mas buscamos sempre mostrar que a ciência é importante e não pode ser abandonada. Damos, aqui, nossos banhos de ervas, mas mandamos nossos filhos para o médico, para o psicólogo, porque a gente cuida da saúde espiritual. Da saúde física é missão do médico que estudou para isso.

E quanto à vacinação e ao negacionismo, qual sua análise?

O Brasil sempre foi referência em vacinação. Temos o SUS que é modelo internacional e as campanhas que sempre foram eficientes. Isso fez com que, mesmo depois de todo o negacionismo propagado, tivéssemos um índice relevante de vacinados diante do cenário internacional. Nós não podemos deixar esse discurso negacionista se perpetuar para não acabarmos com essa eficiência da vacinação que temos, sob risco de voltar doenças que extinguimos.

Uma consequência do fanatismo é a intolerância religiosa. O que podemos aprender com o ano de 2021 para combater esses atos em 2022?

Tivemos um levantamento da Decrim que mostrou que as matrizes africanas são 0,2% da população do DF, mas 59% das notificações de crime de intolerância. Vemos, com isso que somos nós, das matrizes africanas, que mais sofremos com isso. Sabe por que? Porque não sofremos só intolerância religiosa. Sofremos racismo religioso. O que nós sofremos é por ser religião de preto. Então, nosso caso é ainda mais grave, e precisamos pautar políticas que levem isso em consideração. Porque, nós só conseguimos resolver o problema falando sobre ele e não silenciando.

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