As floradas dos cambuís

Correio Braziliense
postado em 28/12/2021 00:01

Quando visitou Brasília, na década de 1970, Clarice Lispector escreveu que as árvores da cidade eram mirradas e pareciam ser de plástico. Se ela visitasse o Plano Piloto em 2021, ficaria espantada. O florescimento da vegetação urbana imprimiu um sentido ao conceito de cidade-parque. Sem elas, o Plano Piloto seria mais árido do que uma paisagem lunar.

Burle Marx, reconhecido como o mais importante paisagista do século 20, fez um plano amplo de arborização para a cidade. No entanto, não foi aceito e se perdeu. Com a retirada da vegetação nativa, as árvores foram plantadas de maneira aleatória, sem critério.

No entanto, mesmo cultivadas de maneira atabalhoada, as árvores imprimiram colorido, deram sombra, amenizaram a temperatura e relativizaram as agruras da estação seca. É uma das poucas cidades em que se tornou possível se orientar por um calendário floral. Muitas árvores de outras paragens se aclimataram ao cerrado e ganharam cidadania brasiliana. Agora, estamos no período dos cambuís, que florescem entre setembro e dezembro.

De longe, é possível vislumbrar a copa flora deles em vários pontos da cidade: na L2 Sul, no Parque da Cidade ou nos eixos Sul e Norte. Lucio Costa tinha razão em conceber Brasília como uma cidade de trabalho, mas também da contemplação. Dá alegria olhar as floradas amarelas dos cambuís.

Em matéria de Bruna Lessa para o caderno Cidades, o professor Rodrigo Corrêa, da UnB, destaca que a espécie é muito polinizada pelas abelhas, ameaçadas pela expansão urbana descontrolada e predatória. Além disso, tem raízes robustas, importantes para enfrentar as fortes rajadas de vento que assolam Brasília, cada vez com mais frequência, deixando um rastro de estragos nas superquadras. E sem esquecer que várias espécies de animais se alimentam das folhas.

Vi na internet que algumas cidades brasileira fazem campanhas para plantio de árvores no espaço urbano, sob o lema: "Cada criança, uma árvore." A situação de Brasília é desigual entre Plano Piloto e cidades da periferia. No Plano, o problema não é de ausência de árvores, mas, sim, da manutenção das que existem.

A construção de um anel rodoviário no Sudoeste ensejou uma absurda eliminação de árvores, sem o menor cuidado, na contramão de uma crescente consciência ecológica global no sentido da sustentabilidade do meio ambiente. É claro que isso afetará a qualidade de vida, não apenas do bairro, mas de todo o Plano Piloto.

A derrubada de uma árvore é um acontecimento dramático. Em poucos segundos, uma árvore que demorou 10 ou 50 anos para se desenvolver é destruída pela ação devastadora da motosserra. Muitas cenas como essas circulam pela internet. Brasília é a cidade dos contrastes exasperantes.

Certo dia, em dezembro, passei com a minha filha perto das quadras internas da W3 Sul, em que as florações de flamboyants se derramavam pela pista com todo fulgor. A quadra toda estava tomada pelas florações, e ela comentou: "Gosto quando a cidade fica assim, pois parece que tudo vai dar certo em minha vida". É isso mesmo, as flores são uma promessa de felicidade.

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