Drummond minerador

Tentarei ver ao documentário Lavras, filme da mostra competitiva do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que toca no tema crucial da destruição do meio ambiente pela mineração. Ontem, a energia caiu. Com receio de a luz faltar novamente, republico crônica que escrevi sobre o livro Maquinação do mundo, de José Wisnik, que mostra a batalha comovente de Carlos Drummond de Andrade contra a exploração e mineração predatória.

"Sucede há bem treze anos,/oito meses e uns trocados,/os pobres itabiranos,/mais fazem, mais são furtados./A nossa mina de ferro,/que a todo mundo fascina,/tornou-se (e sei que não erro),/pra nós, o conto da mina".

O poema é de 1955, mas desde 1951 até a morte, em 1987, Carlos Drummond de Andrade, o mais importante poeta brasileiro, desfechava críticas agudas contra a mineração em Itabira, a cidade em que nasceu e que ocupa um lugar mítico em sua obra.

Essa relação complexa é analisada sob múltiplos aspectos pelo compositor e professor José Miguel Wisnik no brilhante ensaio Maquinação do mundo — Drummond e a mineração (Companhia das Letras). O impulso para Wisnik escrever bateu com o impacto do desastre ambiental de Mariana, em 2015. A obra ganha uma atualidade dramática com o choque da nova tragédia humana, social e ambiental de Brumadinho.

O ano de 1955 é crucial, pois Drummond desencadeou uma luta brava contra a extração predadora, na sua coluna no Correio da Manhã, do Rio de Janeiro. Indignou-se contra a empresa que explorava o ferro, remunerava mal os trabalhadores e deixava Itabira sem escolas, subnutrida, com estradas precárias, luz fraca, água sem tratamento e imensas crateras.

Chamou a atenção para o abismo entre a riqueza estratosférica das corporações e os escassos benefícios para a cidadezinha. Aos que argumentavam que 70% da população de Itabira dependia da Companhia, ele replicava que "100% da Cia. (…) vive em função do ferro de Itabira".

Pragmático, Drummond exigia que o determinado no regulamento da empresa Vale do Rio Doce (atual Vale) fosse cumprido: a sede deveria ser transferida do Rio de Janeiro para Itabira, capital nacional do minério: "a exploração organizada e oficial do interior pela metrópole, o asfaltismo guloso que dirige de 'Cadillac' a milhares de quilômetros de distância, insensível ao lugar e às condições em que as riquezas se produzem".

Segundo Drummond, o tema aparentemente provinciano replica o modelo colonial da economia brasileira, baseado no saque predatório para beneficiar uma civilização de corte e de litoral: "Sempre se chamou a indústria da mineração de 'indústria ladra', porque ela tira e não põe, abre cavernas e não deixa raízes, devasta e emigra para outro ponto".

Destrói, degrada e abre crateras, sem nada "para compensar essas perdas com a implantação de uma infraestrutura de serviços e bens, e ainda com alguma coisa mais do que isso, essa coisa que torna perenes as cidades: a silenciosa e poderosa ação cultural das bibliotecas, dos centros de pesquisa, dos institutos de arte, das oficinas de criação em todos os níveis."

Drummond dizia que Itabira "vendeu sua alma à Companhia Vale do Rio Doce". A Cia. leva lambadas em vários poemas: "Do Rio Doce se chama,/de pranto amargo ela é,/refletindo um panorama/de onde desertou a fé."

Claro que Drummond perdeu a batalha, mas Wisnik mostra que o mais importante poeta brasileiro não se omitiu em relação a um tema crucial e antecipou as tragédias que estamos vivendo, com extraordinária clarividência e lucidez: "Tudo exportar bem depressa,/Suando as rotas camisas./Ficam buracos? Ora essa,/O que vale são divisas/Que tapem outros 'buracos'/Do tesouro nacional,/Deixando em redor os cacos/De um país colonial".