ENTREVISTA

'Cinco dias de quarentena não são suficientes', afirma infectologista

Diante do avanço da cepa ômicron e do anúncio de prazo de cinco dias para entrada no Brasil, infectologista destaca por que nova cepa preocupa e quais medidas devem ser adotadas para evitar a disseminação dela, especialmente no fim de ano

A ômicron, nova variante do coronavírus, chegou ao Distrito Federal há nove dias, o que gerou impactos e alertas entre autoridades, população e profissionais de saúde. Entre os motivos estão a maior transmissibilidade e a possibilidade de reinfecção. Até ontem, duas pessoas haviam testado positivo para a cepa no DF, enquanto outras seis aguardam resultado de exames.

Em entrevista ao programa CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília — a infectologista Joana D'Arc Gonçalves, do Hospital Regional da Asa Norte (Hran) e da clínica Quality Life, destacou à jornalista Carmen Souza que as informações sobre a ômicron ainda são incertas. Há, no entanto, a avaliação de que o maior poder de propagação da variante pode gerar mais infecções e consequentes mutações. "Os sintomas são leves, aparentemente, mas não sabemos as consequências futuras, as sequelas nem os desdobramentos de tudo isso", ressaltou a médica.

O anúncio da chegada da ômicron ao Brasil tem 15 dias. Dados preliminares indicam que ela é mais transmissível, mas causa sintomas leves. Isso é mesmo um presente de Natal?

Eu não diria que seria um presente, só se for de grego. Na Alemanha, eles colocaram medidas restritivas bem severas para quem não está vacinado. Então, temos de tomar cuidado com esse tipo de informação, porque, como se trata de uma variante nova, um vírus novo, poderemos ter algumas surpresas. Não considero um presente e, sim, um alerta para mantermos os cuidados e redobrarmos as preocupações, para não termos problemas futuros.

Como acontece com a dengue, a reinfecção pode ser mais grave em grupos vulneráveis?

Para um idoso, um sintoma leve pode ser grave. Quando falamos de uma cepa muito transmissível, (significa que ela) vai infectar um número elevado de pessoas. Temos o risco do surgimento de outras mutações e, também, de (a variante) pegar a parcela da população mais vulnerável, mais perceptível para doenças graves. Apesar do que vimos até agora, ainda que precocemente, os sintomas são leves, aparentemente, mas não sabemos as consequências futuras, as sequelas nem os desdobramentos de tudo isso. Não existem comprovações de que pessoas que pegam pela segunda vez ficam mais vulneráveis. Precisamos aguardar as próximas semanas, mas isso preocupa, porque as mutações na proteína spike (do vírus) podem levar à falha vacinal e à falha em vários tratamentos, como anticorpos monoclonais que usam a mesma proteína. É um risco elevado.

Quais cuidados tomar nas festas de fim de ano e nas férias para evitar a disseminação do vírus?

É muito importante sabermos que a pandemia não acabou. A ideia é que foquemos em alguns pilares, principalmente na vacina. Quem não se vacinou, por favor, corra. No Distrito Federal, mais de 200 mil pessoas não tomaram qualquer dose. A primeira precaução é se vacinar. A segunda é (observar) o ambiente da festa: de preferência, aberto ou o mais ventilado possível. Depois disso, vamos para a questão comportamental: restringir o número de convidados; dispor os assentos respeitando o distanciamento social; limitar a intensidade (dos contatos físicos); continuar com o uso de máscaras, que é fundamental; não compartilhar objetos e manter as medidas existentes para ter um fim de ano mais seguro. Em viagens, tenha cuidado com o ambiente que você vai visitar. Veja se o local cumpre as medidas, se há limpeza das superfícies.

Cinco dias de quarentena para entrar no Brasil garantem o controle do vírus?

Não são suficientes. É lamentável que nosso país tenha optado por algo diferente do que a comunidade científica tem orientado e que outros países têm feito com mais eficácia. Quando analisamos que a vacina diminui os casos de hospitalização, gastos e fortalece a economia, temos menos pessoas sobrecarregando o sistema de saúde. Mas o governo opta por atrair pessoas não vacinadas. E isso é uma estratégia que destoa tanto economicamente quanto em relação à proteção da sociedade. Hoje, quando você viaja para áreas endêmicas de febre amarela, você é obrigado a tomar a vacina. Ninguém questiona e, se houver alguma contraindicação, a pessoa deve apresentar um laudo.

O descuido com medidas que evitam a covid-19 está ligado ao surto de gripe observado recentemente no Brasil?

A questão da influenza é algo interessante, porque, especificamente neste ano, o governo liberou vacina (contra a gripe) para todo mundo. Porém, muita gente ficou confusa. A questão da informação pesou muito, pois foi no momento em que surgiu a imunização contra a covid-19. Outra coisa é que muita gente não quis se vacinar. Então, ter esse aumento (de casos) da influenza representa que não estamos nem seguindo as recomendações para (evitar a disseminação da) covid-19.