Rito de passagem 

Correio Braziliense
postado em 01/01/2022 00:01
 (crédito: pacifico)
(crédito: pacifico)

A palavra rito vem do latim. Na língua dos Césares como na nossa, tem um significado básico. É o conjunto de regras e cerimônias que se devem observar em determinadas circunstâncias. Inicialmente, na prática de uma religião. Assim, fala-se em rito católico, rito maronita, rito muçulmano. Depois, a acepção se estendeu a certos atos. É o caso do rito matrimonial, do fúnebre, do eleitoral.

A natureza tem seus ritos. As fases da lua é um. As estações do ano, outro. Os antigos comemoravam com grandes festas o fim de um e o começo de outro. Havia as festas da lua cheia, que encerravam o ciclo de 28 dias e desejavam boas-vindas ao próximo. Ou os festejos da primavera. Com eles, davam adeus ao inverno e iniciavam a época de plantio e colheita, que garantiam alimentos para a vida na Terra.

Os homens também têm ritos. São marcos. Com eles, sublinha-se a passagem de um estado para outro. Na cerimônia de casamento, o solteiro vira casado. Na do velório, despede-se o morto, que passou desta vida para outra. Na da eleição, trocam-se os governantes. Quem foi deixa de ser. Quem não foi torna-se.

Ano novo significa algo mais que que um dia novo no calendário. É um rito de passagem. Deixa-se para trás não o velho, mas o estagnado. O que ocupa espaço — físico ou psicológico — e não dá vez ao novo. Todos os povos o comemoram. Os chineses, em fevereiro. Os muçulmanos, em julho. Os judeus, em setembro ou outubro. Os cristãos, em 1º de janeiro.

Entre eles, há um denominador comum. Consideram a data o momento de dar as costas ao passado e olhar para o futuro. Em outras palavras: enterrar os cadáveres. A razão é simples. Um cadáver cheira mal. Exige que se lhe dê um destino. Alguns o enterram. Outros o cremam. Há os que o entregam a piranhas, leões, cães, aves de rapinas.

Os psicólogos conferem ao cadáver significado simbólico. O indesejado não é só o corpo, mas tudo o que se deve esquecer: o emprego perdido, o prestígio passado, a fortuna que parou em outras mãos, o amigo que traiu, o filho que decepcionou, a beleza que se foi. É o momento de faxinar a alma. Ir adiante. Difícil? É. Constitui desafio diário.

Mais que abrir espaços externos (esvaziar armários, passar livros adiante), o ano novo convida a expandir o espaço interior. Sugere abrir as portas do desapego. Perdoar. Ódios, rancores e ressentimentos são cadáveres que clamam por sepultura.

Sem enterro, eles cobram preço alto. Paga-se com a saúde, o humor, a paz de espírito. E impedem que sentimentos saudáveis se instalem. Nenhum inimigo vale tanto. Perdoar faz bem a quem perdoa. Deus dá o exemplo. Perdoar é o vício do Senhor.

 

 Dad Squarisi, editora de
Opinião do Correio e escritora

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