Ao mestre que brinca de poesia

José Carlos Vieira
postado em 03/01/2022 00:01
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

"Arrepare não/ Mas enquanto engoma a calça eu vou lhe contar/ Uma história bem curtinha fácil de cantar / Porque cantar parece com não morrer/ É igual a não se esquecer/ Que a vida é que tem razão..."

Ouvi esses versos de Enquanto engomo a calça pela primeira vez no final dos anos 1970. Tinha acabado de entrar na Universidade de Brasília. Era aluno de Comunicação, com o "C" em caixa alta mesmo, 17 anos, da periferia, confuso, rebelde e cheio de sonhos. Era a época em que andava pelas noites de Taguatinga com vinis de Beto Guedes, do Clube da Esquina e de Ednardo debaixo do braço, para fazer um som na radiola de amigos. A bebida era a clássica pinga com mel ou um garrafão de Sangue de Boi, afinal, o universitário é até hoje um ser sem dinheiro, mas que curte a vida adoidado.

A ditadura caducava, mas mantinha as unhas sujas prontas para atacar garotos de barbas ralas e cheios de utopias no bolso. Quantas vezes corri dos brucutus que "apenas cumpriam ordens" pelas quebradas de Brasília...

Foi uma juventude de música, livros mimeografados de poesia (meu primeiro lançamento foi em 1976), namoros, mochilões, fogueiras e outras coisas mais... sem exagero (risos). Eu me formei publicitário, em 1982, mas nunca procurei emprego, queria ser jogador de futebol profissional, quase consegui, mas o destino e um ligamento cruzado afetado me levaram de volta à UnB para cursar Jornalismo, Rádio, Cinema e TV.

Já não andava com vinis, e sim com fitas cassetes ruidosas cheias de punk. Foi aí que conheci o professor Climério Ferreira, o cara que escreveu Enquanto engomo a calça, sucesso na voz de Ednardo. A leveza profunda desse piauiense fazia as aulas sobre tevê ficarem mais coloridas. Papos variados e sonoros.

Entre uma batida do The Clash e dos Sex Pistols, ouvia discos de Clodo, Clésio e Climério. Gostava também das noites em que meu cunhado médico/violonista Jorge Meirelles levava Alencar Sete Cordas para tocar em casa clássicos do cancioneiro popular — como curtia ouvir o disco de Dilermando Reis, Abismo de Rosas...

Os anos 1980 eram cheios de informações preciosas e aceleradas: Bukowski, Anais Nin, Castañeda, Machu Pichu, Leminski, Bergman, Jacumã, Rubem Braga, O Pasquim, Led Zeppelin, Jackson do Pandeiro, Gramsci, Legião Urbana, Bakunin, revista Víbora, tudo no caldeirão da minha cabeça.

Numa das aulas de tevê levei para Climério uma camisa da banda em que meu irmão era vocalista e eu o letrista, a Detrito Federal. O professor curtiu e até chegou a usar (risos) tropicalisticamente. Tive o prazer de receber do professor os refinados livros de poesia que ele escreveu. Hoje, quando escrevo versos, penso na elegância de Climério, meu mestre. Todos os dias, abro o Facebook e leio um poema desse escritor brasiliense de Angical do Piauí.

"Porque cantar parece com não morrer/ É igual a não se esquecer/ Que a vida é que tem razão..."

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