Candango com orgulho

Rodrigo Craveiro
postado em 05/01/2022 00:01

Tudo o que desejava era ver o sonho se tornar realidade. As mãos, calejadas pelo apego com a enxada, sangravam sem parar. O suor corria-lhe o rosto ante a fervura do sol do Cerrado. O corpo todo doía, esforço de meses de labuta diária, que se estendia horas a fio. Quando o cansaço falava mais alto, ele repousava a alma no crepúsculo, que salpicava o céu de vermelho e de amarelo-fogo. Era o momento de agradecer a Deus. Sentia-se privilegiado. Sabia da grandeza que se descortinava ante seus olhos. Imaginava quantas pessoas se beneficiariam do produto de seu trabalho árduo e honesto. Sim, pensou em desistir por algumas vezes. Principalmente depois que a saúde foi chacoalhada pela maleita. Conheceu o inferno. Pensou até que fosse morrer. Voltou ao paraíso.

Ao fim da jornada diária, voltava ao acampamento e, antes de dormir, buscava a foto da mulher e do filho. Era por eles que estava ali. Queria que as pessoas mais importantes de sua vida tivessem orgulho dele. E que, quando partisse deste plano, deixasse a quem tanto amou mais do que lembranças: um exemplo de vida. As manhãs eram sempre saudadas pelo barulho estridente das maritacas e araras que se fartavam em um palmeiral próximo, à beira de um lago que começava a tomar forma. Aos poucos, as linhas curvilíneas e ousadas também ganhavam forma no horizonte. Enquanto ajudava a retirar do papel os traços de um arquiteto chamado Oscar Niemeyer e transformá-los em realidade, ficava estupefato ao imaginar como aquelas construções seriam diferentes de tudo o que jamais imaginara.

Contava as horas para as visitas do presidente Juscelino. JK, como era conhecido, gostava de ostentar um terno branco garboso, que combinava com o chapéu. Apesar do cargo mais alto do país, tratava a todos com distinção e respeito. Esbanjava humildade e amor por sua gente. À beira da fogueira, depois da jornada de trabalho, gostava de conversar com Juscelino, Niemeyer e um urbanista de nome Lucio Costa. O trio demonstrava simpatia e se deliciava com os momentos em que escutava piadas e contava um pouco de suas experiências mundo afora. Para ele e para tantos outros, conhecer outros países era o mesmo que viajar à Lua, algo absolutamente inalcançável.

Chegou o grande dia da inauguração. Ele acordou antes do sol, naquele 21 de abril de 1960. Vestiu o melhor paletó, comprado pela mulher, no Rio de Janeiro, e enviado por um colega. Era hora de tornar o sonho uma realidade. Brasília. Como tinha orgulho daquele nome! Como amava aqueles monumentos, construídos com um pouco de seu suor! Como sentia-se embevecido com a visão das cúpulas do Congresso, do Palácio do Planalto que parecia flutuar, da Catedral com seus vitrais imponentes! Quando JK declarou oficialmente inaugurada a nova capital, ele não conteve a emoção. Chorou como criança. Sentia gratidão a Deus por participar daquilo tudo. Sim, era candango por natureza. Daqueles que adotaram Brasília como filha e mãe ao mesmo tempo. Daqueles que fizeram parte da história. Era candango. E isso lhe bastava.

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