Salada de fruta

Correio Braziliense
postado em 15/01/2022 00:01
 (crédito: FaiaraAssis/Divulgacao)
(crédito: FaiaraAssis/Divulgacao)

— Tá fresquinha a salada de fruta?

— Não tá, não, senhora.

A mesa com as saladas de frutas ficava atrás de um ponto de ônibus. Antes, um cara mais velho e mal encarado tomava conta do negócio. Nunca havia visto aquele garoto por lá. Parecia ser o vendedor ambulante mais sincero que já vi. Ao ouvir sua resposta para a senhora, me aproximei para uma conversa. Seu nome era Pedro, tinha 13 anos.

Ele estava lá substituindo o padrasto, o velho mal encarado. Toda vez que o cara exagerava na bebida, acordava com ressaca no dia seguinte e indisposto para o trabalho. Pedro faltava o colégio para ir vender as saladas. Gostava de estudar, tirava boas notas, mas desandava na escola quando as coisas iam mal em casa. Contou que o padrasto sempre batia em sua mãe quando bebia.

A única maneira que Pedro encontrava para se vingar do cara era não vender as saladas de fruta, mesmo que isso significasse ficar sem o dinheiro da conta de luz ou do gás. Sabia que as saladas eram bem preparadas por sua mãe, que, após chegar tarde do emprego de auxiliar de serviços gerais em um hospital particular, tinha de arrumar o jantar do seu macho e as saladas para ele vender no dia seguinte.

Pedro disse que sua mãe parecia não se importar com os porres do cara, que ela havia se acostumado com as brigas. Enquanto isso, o ódio do garoto pelo padrasto crescia a cada dia. Eu conversava com ele, pelo menos, três vezes por semana, enquanto ele se esforçava para não vender as saladas de fruta.

Numa dessas ocasiões, Pedro contou que gostava de compor rap. Pedi para ele trazer algumas composições para eu dar uma olhada.

Numa segunda-feira, o encontrei com um olho roxo. Nem precisei perguntar o que havia acontecido. Ele estava com seu caderno de composições. Sentei ao seu lado e abri na última página preenchida. A música narra uma noite que o seu padrasto chegou bêbado e não encontrou a mulher. Ele pergunta se há algo para comer, e Pedro responde que tinha salada de fruta na geladeira. O cara não gosta da resposta e dá um soco na cara do garoto.

Nos próximos versos, Pedro narra como mata o padastro. Água fervida no rosto do cara, seguida por algumas facadas. A canção termina com o garoto saindo de casa, se sentindo livre e vingado. Terminei de ler e perguntei se aquilo realmente havia acontecido.

— O soco foi de verdade. Minha mãe realmente não estava em casa. Me tranquei no quarto e comecei a escrever. Mas eu queria ter matado ele mesmo.

— Por que você não procura a polícia?

— Não iria adiantar. Seria capaz dele nos matar depois.

Ficou de cabeça baixa. Após alguns segundos em silêncio, decretou: "vou fugir de casa. Morar na rua ou então na casa da minha avó". Aconselhei a segunda opção. Dois anos se passaram e nunca mais o vi. Espero que não tenha se tornado mais um dos muitos garotos de rua da cidade ou que não tenha se metido em problema e acabado preso.

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